Igreja Anglicana pede proteção a cristãos no Oriente Médio


Bispos criticam o fracasso contra extremismo islâmico e atacam política "incoerente" do primeiro-ministro do Reino Unido

Crianças cristãs no Iraque
Crianças cristãs que fugiram de Qaraqosh, no Iraque, posam em igreja de Erbil, cidade curda também no Iraque, onde suas famílias buscaram refúgio

A Igreja Anglicana fez uma crítica devastadora à política para o Oriente Médio do primeiro-ministro britânico, David Cameron, descrevendo a abordagem do governo como incoerente, mal pensada e determinada pela "voz mais alta da mídia em qualquer momento dado".

As críticas foram feitas em uma carta extraordinária ao primeiro-ministro, assinada pelo bispo de Leeds, Nicholas Baines, e escrita com o apoio da arcebispo de Canterbury, Justin Welby. Vista peloObserver, ela descreve a política externa do Reino Unido como tão confusa e reativa que é "difícil discernir as intenções estratégicas" da abordagem governamental para a região.

A carta se segue a afirmações generalizadas de que o Reino Unido e o Ocidente demoraram para reagir aos acontecimentos que se desenrolam no Iraque, enquanto o Estado Islâmico, antes conhecido como Estado Islâmico do Iraque e da Síria, impôs seu regime sangrento no norte do Iraque e em partes da Síria.

Cameron é censurado por não desenvolver um plano efetivo para enfrentar a disseminação do islamismo radical do Iraque à Nigéria, onde o grupo militante Boko Haram aterrorizou o norte do país. "Não parecemos ter uma abordagem coerente ou abrangente ao extremismo islâmico, que se desenvolve por todo o mundo", escreve o bispo.

Cameron é acusado de dar as costas ao sofrimento dos cristãos. A carta pergunta por que as dificuldades das minorias religiosas no Iraque, como a dos yazidis, parecem ter adquirido precedência. Ela nota que, apesar de o governo ter respondido prontamente a relatos de que pelo menos 30 mil yazidis foram encurralados nas montanhas de Sinjar, o destino de dezenas de milhares de cristãos iraquianos que fogem dos jihadistas de Mosul, a segunda maior cidade do Iraque, e outros lugares parece ter "saído da consciência".

Baines pergunta: "Seu governo tem uma resposta coerente para a difícil situação do enorme número de cristãos cuja condição parece ser menos considerada que a de outros? Ou estamos simplesmente reagindo à voz mais alta da mídia em qualquer momento determinado?" Ele condena o fato de não se oferecer refúgio aos cristãos iraquianos expulsos de suas casas: "Os governos francês e alemão já tomaram medidas, mas aqui até agora só houve silêncio do governo do Reino Unido".

A carta pergunta por que as indagações parlamentares feitas no mês passado para saber se o Reino Unido pretende oferecer asilo aos cristãos iraquianos ainda não foram respondidas. Baines diz que o fracasso em confrontar a questão é "algo que causa certa preocupação a mim e a meus colegas".

Escrevendo no Sunday Telegraph, Cameron sugere que está avançando aos poucos para apoiar o envolvimento do Reino Unido em uma reação militar à ameaça do Estado Islâmico. Ele diz que é importante não deixar que a polêmica e a tragédia da guerra de 2003 no Iraque matizem a reação do país à crise atual. "A criação de um califado extremista no coração do Iraque e estendendo-se à Síria não é um problema a milhas de distância de nosso país", escreve Cameron. "Tampouco é um problema que devia ter sido definido por uma guerra dez anos atrás. É nossa preocupação aqui e agora. Porque se não agirmos para conter o avanço desse movimento islâmico excepcionalmente perigoso ele se fortalecerá até que possa atingir a todos nós nas ruas da Grã-Bretanha.

"Também precisamos de uma reação política, diplomática e de segurança mais ampla... Essa ameaça não pode simplesmente ser afastada por ataques aéreos. Precisamos de uma abordagem firme, inteligente e paciente, de longo prazo, capaz de derrotar a ameaça terrorista na origem."

Enquanto o Reino Unido se prepara para dar assistência militar às forças curdas peshmergas no norte do Iraque, um importante especialista em segurança advertiu que a recente intervenção militar na região poderá servir aos interesses do Estado Islâmico. Richard Barrett, ex-chefe de contraterrorismo no MI6, disse que ataques aéreos e a decisão de Cameron de armar forças curdas poderão escalar a ameaça contra o Ocidente, reforçando a decisão dos jihadistas a tal ponto que combatentes do Estado Islâmico e da Al-Qaeda poderão unir forças.

Barrett, que passou mais de uma década rastreando os taleban para a ONU, disse que os ataques ao Estado Islâmico "alimentam a narrativa de que os EUA, o Ocidente faz parte do problema". Ele acrescentou: "Se o Ocidente faz parte do problema, a pergunta é: 'Por que não atacar o Ocidente já?' Existe um claro lado negativo de que a ação dos EUA, particularmente se for prolongada, possa levar os homens da Al-Qaeda e do Estado Islâmico a dizer: 'Está bem, vamos nos unir e agir'."

Avaliações da inteligência dos EUA sugerem que alguns jihadistas estão abandonando a Al-Qaeda no Iêmen e na África para unir-se ao Estado Islâmico. Agências de espionagem observam se líderes graduados da Al-Qaeda estão dispostos a mudar de afiliação.

Barrett disse que o Ocidente também precisa enfrentar o dilema de que, mesmo com o Estado Islâmico derrotado no campo de batalha, problemas significativos estariam à espreita. "Eles têm seu próprio território para defender agora. Mesmo assim, nem todos vão morrer no campo de batalha; os muitos milhares de estrangeiros... voltarão a seus países se forem derrotados, com um forte sentido de injustiça e uma forte motivação para continuar a luta. É claro que se não forem derrotados vão querer espalhar seu regime por seus países, de qualquer modo. Você mais ou menos perde de qualquer maneira."

A coordenadora nacional de contraterrorismo da Polícia Metropolitana, Helen Ball, disse que a situação no Iraque evoluiu a tal ponto que a polícia está apelando às namoradas, esposas e mães de potenciais jihadistas para que os convençam a não viajar ao exterior.

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