O que Dunga viu enquanto todos olhavam para Felipão


Dunga reassumiu o comando da seleção brasileira nesta terça-feira. O técnico destemperado da Copa de 2010, que fechou e pilhou a equipe de forma exagerada e a abandonou em campo depois da derrota para a Holanda nas quartas de final, foi comentarista dos canais Al Jazeera e Azteca durante a Copa de 2014. Percorreu os corredores dos centros de mídia sempre com alguém do lado, fã ou repórter. Com sorrisos no rosto, transmitiu uma imagem bem diferente daquela carrancuda de quatro anos atrás. E bem diferente também da exibida para as câmeras nesta terça.

No Mineirão, antes do 7 a 1, era solicitado por TVs alemãs para opinar sobre o jogo que viria a acontecer. Em 8 de julho certamente não esperava que exatas duas semanas depois estaria recebendo de novo a chance de ser técnico da seleção. Cargo para o qual parece mais bem preparado, ainda que isso não signifique sucesso.

Dunga no Maracanã, na final da Copa do Mundo. Ele voltou (Foto: Nelson Almeida / AFP)

Uma pesquisa rápida sobre o que disse Dunga nesse período da Copa do Mundo sugere que ele reconhece os erros que cometeu na sua primeira passagem, entre 2006 e 2010, como fez na coletiva de sua apresentação, mas também mostra o óbvio: ele não é o sujeito ideal para substituir Luiz Felipe Scolari e dar um novo rumo ao futebol brasileiro.

Em entrevista para o site oficial da Fifa depois da humilhação sofrida para a Alemanha na semifinal Dunga seguiu a linha de análise de Felipão e Carlos Alberto Parreira. “Não se pode dizer que porque perdeu está tudo errado. Tem muitas coisas boas que podem ser aproveitadas”, disse Dunga em vídeo divulgado em 12 de julho. Frase que repetiu ao lado dos seus novos chefes nesta terça.

Aparentemente para o próximo técnico da seleção brasileira a derrota por 7 a 1 numa semifinal de Copa do Mundo em casa foi apenas mais uma derrota. Como disse Felipão, se tivesse perdido por 1 a 0 seria a mesma coisa. “Se comparar os jogadores de Brasil e Alemanha, eles se equivalem”, disse Dunga. Será mesmo? Agora, já no cargo, reconheceu que o Brasil não tem mais os melhores jogadores e precisa resgatar por meio do trabalho o tempo perdido.

Ainda que sua análise tenha algumas declarações destoantes da realidade, o técnico parece reconhecer um dos problemas mais antigos do futebol brasileiro. “O problema é que, no Brasil, a gente acha que, se um jogador é excepcional, ele não precisa ter função tática. É essa mentalidade que precisa mudar”. Realmente, o jogador brasileiro parou no tempo.

A frase ganha força depois de Neymar, o craque preterido por Dunga da Copa 2010, afirmar que é “um cara que não conhece muito de tática”, frase dita na nada elucidativa entrevista do maior nome do futebol brasileiro ao Fantástico no último domingo. Podemos apostar que o mesmo não acontece com os jogadores campeões do mundo pela Alemanha.

Na mesma entrevista Dunga exalta o estilo de jogo dos alemães e também a capacidade de Joachim Löw em mexer na equipe ao longo da Copa do Mundo, algo que não foi visto na seleção brasileira. “As pessoas têm que entender que uma seleção não é montada só com os melhores jogadores, mas, sim, com aqueles que se encaixam nas características de que você precisa”, disse em outra declaração que só confirma que não é hora de achar que o Brasil vai voltar a jogar bonito. Estamos falando de Dunga, oras. “Futebol arte também é o goleiro fazer uma defesa, o zagueiro desarmar uma jogada”. Outra frase que não assusta por vir de quem vem.

O treinador comandou 42 vitórias em 60 jogos com a seleção entre 2006 e 2010. Foram seis derrotas e 12 empates. Números até razoáveis, mas que não justificam a forma que ele conduziu o trabalho. Ele montou uma blindagem excessiva aos jogadores e criou um inimigo imaginário: a imprensa. Quatro anos depois reconhece que exagerou.

“Talvez mude algumas atitudes minhas, algumas respostas que dei anteriormente. Como eu era muito novo, eu queria abraçar o mundo e resolver todos os problemas. Hoje sou um pouco mais maduro, com maior reflexão de tudo que aconteceu, seguramente algumas respostas eu não daria e isso facilitaria e muito a minha vida”, disse o técnico numa outra entrevista.

Dunga provavelmente está melhor hoje do que há quatro anos. Mas ele não é o cara que fará a ruptura necessária entre o que temos e o que precisamos para fazer a seleção evoluir. Ele é mais um “insider” da CBF. Mais um como foram Felipão, Parreira e Zagallo, técnicos que conseguiram suas maiores glórias na seleção, apesar da CBF. Como um insider, Dunga não vê que mudanças drásticas sejam necessárias. “Foi com a CBF e a seleção do jeito que ela é que conquistei meus títulos”, devem pensar ele e outros citados. Basta lembrar do que disse Parreira. “A CBF é o Brasil que dá certo”.

Dunga vai apenas renovar a ordem que recebeu em 2006 de Ricardo Teixeira. “Vença”, agora na voz de José Maria Marin. “Futebol é resultado”, repetiu Dunga mais de uma vez nesta terça. Ele pode até conseguir montar um time vencedor como foram os da Copa América de 2007, da Copa das Confederações de 2009 ou das eliminatórias para 2010, mas está longe de ser o nome ideal para fazer a seleção voltar a ser protagonista no cenário mundial.

Carta Capital