Duas derrotas na eleição de Rodrigo Maia




Por Paulo Moreira Leite/Brasil 247

A vitória de Rodrigo Maia na disputa pela presidência da Câmara de Deputados representa uma tragédia em si do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores e da população pobre mas seus efeitos daninhos não terminam aí.

Além de instalar um inimigo assumido dos interesses populares a frente da Câmara, residência do segundo nome da linha de sucessão presidencial, a votação demonstrou uma insuspeita boa vontade de integrantes da resistência democrática ao golpe de abril-maio para negociar seu futuro com o governo interino de Michel Temer, cuja prioridade absoluta consiste em dobrar as forças que resistem a uma ruptura institucional.

PT e PC do B, as duas principais colunas da resistência, fraquejaram. O PSOL também.Ao lançar candidatura própria no primeiro turno, os comunistas e o PSOL ajudaram a derrubar as ultimas esperanças de conduzir Marcelo Castro -- ex-ministro da Saúde de Dilma, aliado de Lula em todas as campanhas presidencial e acima de tudo, um voto contra impeachment em abril -- para o segundo turno. Seria a única chance real de transformar a escolha do novo presidente da Câmara numa disputa política de verdade. 

A bancada petista votou em Marcelo Castro com o voto fechado. Mas, quando foram liberados para votar conforme sua própria cabeça, boa parte dos petistas comportou-se como crianças que adoram brinquedos proibidas, garantindo apoio a um golpista de primeiro minuto, sem maiores diferenças com o rival Rogério Rosso e, do ponto de vista dos adversários do golpe, um grau de periculosidade a mais.

Enquanto Rosso sustentava-se num líder a caminho acelerado para o cadafalso, Rodrigo Maia expressa a fatia em ascensão do conservadorismo do DEM, que, com apoio sem remorsos do PSDB, está destinado a formar a coluna vertebral de um governo Temer. O DEM possui laços históricos com a continuidade da ditadura e uma lealdade ideológica não apenas financeira  com os setores mais conservadores. Ao menos em teoria, tem mais fôlego e capacidade de sobrevivência. Mais perigoso, quando se fala de um mandato de sete meses, portanto. Mais útil para a consolidação do golpe, obviamente.

É preciso retornar a 1984, quando o Colégio Eleitoral escolheu Tancredo Neves para presidente da República, para se encontrar um caso tão grave e tão importante.

Naquele momento, os parlamentares do PT que decidiram descumprir a orientação do partido que era não votar em Tancredo nem em Paulo Maluf foram convidados a retirar-se da legenda.

Você pode ter a opinião que quiser sobre o voto em Tancredo mas vamos combinar que ele tinha uma natureza específica. Permitia derrotar o candidato da ditadura e apoiar um político que, mesmo expressando um grande acordo para conduzir a transição de acordo com os 1% que sempre governaram país, de farda ou à paisana, tinha um histórico democrático inegável. Foi ministro de Getúlio Vargas em 1950, participou do governo parlamentar de João Goulart, votou contra o golpe em 1964. Eu achava que era errado votar em Tancredo mas reconheço que era possível enxergar argumentos legítimos na defesa de sua candidatura.

O apoio a Rodrigo Maia não tem nenhuma dessas características. Sua vitória não fortalece a causa da democracia e da Constituição. Reacionário até a medula, só irá enfraquecer a necessária resistência ao rolo compressor em curso no Congresso, que pretende eliminar 70 anos de conquistas sociais e progresso econômico e transformar o Brasil num grande Paraguai. 

Como qualquer movimento sem qualquer razão política compreensível, já que não pode ser defendido em público, o voto em Maia não é um evento repentino. Pertence ao universo do cretinismo parlamentar, formado por gestos e decisões que nada significam para a maioria da população apenas um espetáculo de mágicos desmoralizados, que praticam truques que todos conhecem e não acreditam mais.

A votação de Maia mostrou uma grande capacidade de adaptação ao golpe por parte de forças que deveriam ser as mais empenhadas em lhe dar combate sem trégua. Os deputados não serão chamados a dar o voto definitivo sobre o retorno de Dilma a um posto que lhe pertence por direito e vontade do povo. Esta decisão será do Senado.

Mesmo assim, a votação na Câmara é preocupante.