“Dilma e petistas amanhecem correndo atrás do vice para que ele mude de ideia. Perceberam os efeitos da síndrome da centopeia, que os leva a dar tiros nos pés como se tivessem cem. Mas o governo está mais para saci-pererê – e a última perna é o PMDB”
A pergunta que não quer calar hoje é se o presidente denunciado da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), é um sujeito capaz de explodir o quarteirão – expressão usada pelo então deputado Roberto Jefferson quando resolveu delatar o esquema do mensalão. Ousadia para tanto ele tem, e já começou até a dar uns tiros de advertência. A experiência mostra, porém, que nem sempre vale a pena, pois o destino de delatores acaba misturado ao de delatados, muitas vezes na cadeia. Por enquanto, Cunha vem, na superfície, fazendo declarações serenas. Mas já começaram as ameaças de bastidores.
Não por acaso, menos de dois dias depois da pesada denúncia do procurador Rodrigo Janot, vazaram para a imprensa trechos do depoimento do mesmo Júlio Camargo - que acusou Cunha de ter recebido US$ 5 milhões de propina – mencionando o vice-presidente Michel Temer e o presidente do Senado, Renan Calheiros.
São referências vagas, nada parecidas com as contundentes acusações ao presidente da Câmara. Camargo teria dito haver “comentários” de que Fernando Soares, o Baiano, seria representante do PMDB, principalmente de Renan, Cunha e Temer, a quem se referia como “irmandade”. O vice já divulgou nota, no próprio sábado, informando que não conhece e nunca teve qualquer relação com Baiano, considerando a informação falsa.
É bem possível que tudo fique por isso mesmo. Dificilmente uma referência genérica a comentários, por si só, dará origem a acusações mais sérias em meio às enxurradas investigativas da Operação Lava-Jato.
O que o episódio mostra, sobretudo, é que o aparentemente calmo Eduardo Cunha está mostrando as garras. E que seus principais alvos são Michel Temer e Renan Calheiros – não por coincidência, os sustentáculos de Dilma Rousseff no PMDB.
O que quer Cunha? Evidentemente, salvar a pele. Para isso, pode não ser necessário, em princípio, tentar arrastar companheiros de partido para o palco da Lava-Jato. Mas quer distribuir avisos aos navegantes. Claramente, sua estratégia hoje passa por pressionar tais companheiros para que retirem seu apoio ao Planalto, abrindo caminho para o acirramento da crise política que pode resultar num processo de impeachment contra a presidente da República.
Nas contas de Cunha, somente uma crise maior do que a sua poderá salvá-lo – ou, ao menos, dar-lhe o fôlego necessário para se manter na presidência da Câmara. Daí a pressão em cima de Renan e de Temer, que tem que ser bem medida para não inviabilizar o vice como possível sucessor da presidente por conta de denúncias da Lava-Jato.
Todos sabem que o agravamento da crise entra imediatamente no script se Michel Temer abandonar de vez a articulação política do governo e voltar a ser simplesmente um vice. Afinal, o que fazem os vices? Aguardam o afastamento dos titulares para substituí-los.
E aí está o nó de tudo isso. O vice-presidente da República tem consciência da importância de seu papel e não estava operando no modo incendiário. Trabalhou com empenho e lealdade na coordenação política até acontecer o inevitável: trombou com os petistas do governo por causa das indicações para cargos.
Mais recentemente, foi atropelado pela própria Dilma, com os ouvidos emprenhados de intrigas a respeito da frase infeliz do vice sobre a necessidade de “alguém” para unir o Brasil. Na semana passada, veio o tiro final, quando o ministro Joaquim Levy desautorizou sua promessa de liberação de emendas para aliados.
A partir daí, juntou-se a fome com a vontade de comer. A pressão de Cunha pelo afastamento do PMDB do governo agora pode passar a ter eco na vontade do próprio vice-presidente da República de deixar a articulação política. Se isso acontecer, o cenário previsível é de crise galopante rumo à desestabilização política, que teria data marcada no congresso do PMDB em novembro.
Nas aparências, o vice tentará contemporizar. Tem até um discurso ensaiado, o de que deixará de cuidar apenas do varejo das nomeações e votações para cuidar da macropolítica - seja lá o que for isso nos tempos atuais. Trabalha numa saída elegante, sem maiores traumas. A esta altura, porém, não é mais possível. Uma vez fora, Temer passa a ser o rastilho de pólvora, a alternativa concreta de poder que, queira ou não, participe ou não, estará no centro da articulação pró-impeachment.
Por isso, Dilma e alguns petistas do governo amanhecem nesta segunda-feira correndo atrás do vice para que ele mude de ideia. Espera-se que não tenham percebido tarde demais os efeitos ilusórios da síndrome da centopeia, que os leva a dar tiros nos pés como se tivessem cem pernas. Como já dissemos, porém, hoje o governo está mais para saci-pererê – e sua última perna é o PMDB de Michel Temer.