Os protestos contra o governo se transformaram basicamente num samba de uma nota só. A reivindicação é o impeachment da presidente da República.
Entretanto, hoje, esse é um desejo impossível de ser atendido. A presidente não pretende renunciar, como pediram alguns líderes das manifestações. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que é quem pode abrir investigação contra Dilma, diz que não há evidências nem provas em relação à presidente. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirma que impeachment beira ao golpismo. Portanto, estão fechados os caminhos jurídico e político do impeachment. A rigor, pedir impedimento sem prova é golpista.
Pesquisa Datafolha feita ontem na avenida Paulista, onde compareceram 100 mil pessoas, segundo o instituto, revela que 77% são a favor do impeachment da presidente. O manifestante diz que foi protestar contra a corrupção, mas as palavras de ordem são “Fora Dilma”e “Fora PT”. São menos frequentes ou inexistentes as menções aos casos de corrupção de outros partidos.
A oposição flertou com os manifestantes, mas não foi ao baile para tirá-los para dançar. Basta ler ou ouvir as entrevistas dos líderes dos manifestantes para ver que se trata de um movimento de direita que assusta até um partido que tem caminhado para a centro-direita, como o PSDB.
Em junho e julho de 2013, havia uma agenda mais ampla nos protestos. A pauta era tarifa pública do transporte coletivo, resistência à Copa das Confederações e à Copa do Mundo, combate à corrupção, melhorias na saúde e na educação, entre outros motivos.
O governo deu algumas respostas: aumentou os recursos para o transporte público, lançou o “Mais Médicos” e fez um discurso de defesa das Copas. O Congresso não aprovou um projeto que limitava o poder de investigação do Ministério Público e acabou com o voto secreto para cassar mandatos.
Hoje, os manifestantes têm uma agenda estreita, que se resume a tirar Dilma e o PT do poder. Numa democracia, isso só acontece com renúncia da presidente, impeachment com prova ou nas urnas, a cada quatro anos. Fora disso, é golpe. E boa parte de quem expressou sua insatisfação em 15 de março não pretende trilhar esse caminho.
A avaliação que melhor traduz o que aconteceu ontem foi feita pelo vice-presidente da República, Michel Temer. Ele disse que o menor número de pessoas nas ruas “abre espaço para o governo trabalhar”. No entanto, isso não significa que o governo deva desconsiderar a importância dos protestos de ontem.
Para Temer, o governo deve prestar atenção ao alerta, dialogar e ouvir mais. É uma avaliação realista. Em 15 de março, levando em conta os cálculos da Polícia Militar, que são menos confiáveis do que os do Datafolha, os protestos reuniram 1,7 milhão em 24 capitais e no Distrito Federal. Ontem, nos mesmos locais, teriam sido 543 mil manifestantes.
Um protesto mais fraco ajuda politicamente o governo. Se houvesse ontem o mesmo número de 15 de março ou mais gente, estaríamos falando hoje do agravamento da crise. Com protestos mais fracos, abre-se um espaço de alívio político para o governo.
Isso deve ter reflexos na negociação com o Congresso, criando um clima mais favorável à aprovação do ajuste fiscal. Já é alguma coisa para um governo enfraquecido.
É prudente que a presidente Dilma Rousseff evite cometer mais erros, porque, na economia, ainda está por vir uma série de notícias ruins. Até o ajuste produzir um efeito positivo, que leve o país a crescer novamente, haverá uma travessia do deserto com aumento de desemprego e queda da renda.
Portanto, o clima de insatisfação com o governo deverá continuar alto pelos próximos meses por causa da economia.
Blog do Kennedy