Reflexão Bíblica: UMA CRUZ PARA MIM (II)


Por ELIAS MUNIZ DE DEUS

É previsível que o sofrimento, o sentimento de impotência e resignação esteja associado à imagem da cruz, como tal as digressões sobre o peso da cruz chegam a ser razoáveis, considerando o estado de vulnerabilidade a que todo homem e mulher estão sujeitos enquanto vivos na natureza. 

Uma recusa à cruz, uma desistência, talvez se imponha como via necessária para a libertação, e que seja, na medida calculada o suficiente para propiciar, ainda neste mundo, o gozo de uma vida prazerosa sem sacrifícios, fadiga nem dor, posto que os sofrimentos que aqui se multiplicam é cruz que carregamos por merecer.  

O pressuposto do merecimento tomado nestes termos impõe admitir, via de regra, que os humanos são afligidos não por uma cruz que os mortifica para o bem, mas, pelas ambições invejosas e vontades galopantes que os mantenham sempre no benefício da vantagem, ainda que para isso tenham que pisotear, passar por cima ou detonar qualquer um que ouse atravessar-lhes o caminho. Pessoas há que se acham acima do bem e do mal, não reconhecem valores espirituais ou morais válidos, não se interessam pelo bem que não seja o próprio, a dor do outro é sempre exagerada, a pimenta no outro é colírio e refresco para si. Por conta destas insensibilidades não suportam o contraditório, se instabilizam com veemência e até sem motivos irrompem com ironias esquizofrênicas tipo: “O veneno que não me mata me fortalece”. (Nietzsche)

Humanos (indivíduos) que se prostram  diante da cruz mas se contemporizam na troca de gentilezas imorais  de viés delinquente, por conta de um imediatismo prático que só se satisfaz com a subtração máxima de tudo que lhes desperte a cobiça. Sendo inócuos na fé e alienados quanto às certezas atemporais, se comportam em tudo desconfiados, e sob a máscara cínica da oportunidade conveniente se distanciam da realidade para que a verdade não os incomode. É como diz o velho ditado: “Fogem da verdade, como o diabo foge da cruz”. Esta cruz que é demolidora tanto quanto é a verdade, não pode ser entendida ou percebida mais como um simples artefato de madeira, ou objeto de penitência. Porém, em se tratando de cruz, não podemos dissociá-la apenas do simbolismo radical nela impregnado, é preciso fazer a transição do sentido e valor da cruz real, como exposta nas páginas da Bíblia Sagrada, para a forma contextual em que se considerem tanto as queixas odiosas, dos que a amaldiçoam, em detrimento de suas próprias almas, quanto daqueles que a utilizam como amuleto poderoso em face à expectativa de ganhos materiais e proteção contra os males do corpo, acreditam que nela há poder ou magia. Esta contradição, entre a cruz que hoje se exibe e a cruz de Cristo, indica o ponto crítico de maior tensão entre os que ainda se incomodam com a vulgaridade da mística do evangelho de mercado, em aberta competição com as religiões populares e exotismos diversos. A propósito, A cruz e o seu símbolo, vistos sob a perspectiva de um olhar social, dialogam por antíteses, enquanto que a cruz objeto jamais ofereceu atrativo à crucificação do homem, o símbolo por sua vez é aceito socialmente como adereço, como peça decorativa e outras possibilidades utilitárias independente de ser o usuário, crente ou incrédulo.

A cruz como objeto de sacrifício físico; por ela não há humana simpatia, ninguém sobre ela se lançará pelo glamour ou fama. Do ponto de vista racional a mesma cruz (artefato ou objeto sagrado), se opõe a tudo que é válido ou digno para a humanidade considerando os paradigmas vigentes. Suportá-la na condição de pobre mortal é carolismo piegas, exauri-la em sua eficácia mortificadora, para dela ter um benefício sobrenatural, ao humano se exclui por faltar no homem e na cruz o poder da vida para fazer ressuscitar quem a ela se submeter. Portanto, subjugar o corpo natural à letalidade da cruz, em obediência à ordem de Jesus, exige de quem se propõe fazê-lo se permitir crucificar verdadeiramente, de modo que, o simples cogitar contrário esvaziará de sentido o significado absoluto das palavras de Jesus - “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se NEGUE, tome a sua CRUZ e SIGA-me” (Mt. 16, 24). Determina que para segui-lo existem regras que precisam ser obedecidas, e uma delas é  submeter-se à cruz. Isto implica fazer-se semelhante a ele, e determina que qualitativamente  haja em cada crucificado um “cristo” abdicante de glórias e prazeres mundanos, um “cristo” inteiramente submisso à vontade do pai que está no céu, um “cristo” consciente do seu papel no mundo, porque ser crente vai além de ser crédulo, ser crente em Jesus Cristo significa ser transformado em filho de Deus, e todo filho de Deus é UNGIDO e todo ungido é “um” em Cristo, e todo “um” em Cristo é um Cristo no mundo. Ora está evidente que todas as preocupações centradas no objeto da cruz e suas possíveis conseqüências reais, são profundamente desalentadoras para serem levadas a sério por quem tem dúvidas quanto à sua própria salvação, também o será para aqueles confessantes da fé que não conseguem renunciar o velho “eu” mundano, cheio de caprichos e desconfianças, o “eu” vaidoso, ou voluntarioso possessivo incapaz de abrir mão de valores e gostos antigos que deveriam ter sido crucificados e não o foram. Neste ponto é preciso dizer que no decorrer do tema propositadamente omitimos o essencial fatídico da questão, e não foi por menos, visto que a nossa proposta é fazer pensar no quanto pesa a vontade natural que temos de VIVER, e contra esta força natural é que a cruz se levanta como marco definidor de fronteiras inimigas, VIDA e MORTE.

Eis que adentramos a zona conflagrada na extremidade do continente da alma, lugar onde mais acirrado está o conflito íntimo, e o pavor pessoal já deflagrado pelo inevitável confronto de um homem e sua cruz, acossados impiedosamente pelo império do absoluto consciente e inconsciente, que se opõe a tudo que é relativo, bem no lugar onde só é permitido, ao homem, o escrutínio da própria consciência sob os holofotes de uma eternidade pré-anunciada.

 Diante de tamanha gravidade cósmica não estará a humanidade em julgamento explicito, estará o “EU”, o meu lado escuro sendo exposto, o “eu” despido e sem disfarces. Faz-se necessário, portanto, que agora, no tempo que se chama HOJE, eu me desfaça de mim mesmo e faça que com o meu “eu” abandonado, sigam todos os pseudos ornamentos, e todo o lixo de personalidade que desenvolvi para me proteger das pessoas e de mim mesmo, quiçá seja oportuno tirar-lhes os rótulos para que os seus espectros (lembranças) nunca mais me perturbem com os seus encantamentos ardilosos, principalmente pessoas que por estarem próximas ou comprometidas com o meu passado ou presente, não continuem sendo um fardo, um contrapeso em minha nova vida.  – “Quando eu considerei os componentes sobrepostos à experiência de vida que já conheço, e avaliei o quanto de dissabores já carrego por conta do que sou e do que quero em minha posse, pressenti que se aproxima o momento em que não terei mais como fazer escolhas, então só me restou o paradoxo da cruz, aquela, desprezada num cantinho qualquer daquilo que eu valorizava como sendo a razão da minha vida, somente agora pude compreender que a vida que eu conhecia na verdade não era vida, era morte”.(Reflexão própria)

 Então, como sair da encruzilhada, ou como solucionar a questão?  Como distinguir entre o certo e o errado se o tempo me escapa por entre os dedos e o inevitável espreita em toda
Parte? Sabendo que para o irremediado, remédio não tem, e que a sentença já foi pronunciada, cabe agora modificar as minhas atitudes, uma vez que a sentença não será modificada. – “Aquele que quiser viver tem que morrer, e todo aquele que amar a sua vida mais do que a Cristo a perderá, e aquele que perder a vida por causa de Cristo, achá-la-á”. Concluímos que sequer saímos do ponto de origem da discussão; tomar ou não a cruz, seguir ou deixar como está.
         
 Ora amigo, enquanto permanecermos enfeitiçados pela faticidade da cruz, também estaremos obliterados na capacidade de entender que no mundo natural, a matemática que praticamos, confirma na realidade física a ordem dos fatores conhecidos, para manter certos os resultados metafísicos das operações envolvidas, mesmo que desconheçamos as propriedades sobrenaturais que se sobrepõem ao mundo visível que percebemos ou experimentamos. (Metafísica). Então, se a morte física não for elemento considerado no projeto de vida total, por sua vez, a equação metafísica da vida não se resolverá, por outro lado os axiomas naturais que se firmaram na nossa experiência e na revelação, preconizam que, para eliminar na equação física o fator “morte”, é preciso substituí-lo pelo fator “CRISTO”, neste caso quem tomar da cruz, cada um será um cristo, será um ungido de Deus, pois somente na condição de Cristo é que a vida será assegurada ao mortal. Não há outra possibilidade e por ser princípio irrefutável é que o próprio filho de Deus, o verdadeiro Cristo vindo ao mundo exigiu aos homens que cada um tome a sua própria cruz para segui-lo, fazendo-se semelhantes a ELE. Exatamente aqui está o cerne de todas as aberrações, e murmurações contra a cruz necessária de cada um. Senão entendamos: A cruz tem que ser tomada por cada um, mas não é este o único e nem o primeiro passo a ser dado, o tomar da cruz também não é por si só suficiente para satisfazer a vontade de Deus. É preciso fazer as coisas do jeito certo, um passo de cada vez, e neste particular o primeiro passo não é tomar a cruz, pelo contrário, será: “NEGAR-SE A SI MESMO”. Negação que seguida pelo assumir da cruz, simplesmente afirmará para si e para o mundo, a sua nova condição diante de Deus e da humanidade, UMA NOVA CRIATURA. Como diz ”Se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas”. (2 Co. 5. 17). Eis aqui a razão dos sofrimentos, o motivo das desistências e rancores contra a vida crucificada, pois, se o primeiro passo for ignorado, a cruz se transformará em fardo, sofrimento e morte definitiva. Porque o negar-se a si mesmo, requer estranhamento, exige demolição do que já estava construído, exige desconhecer  vontades e quereres, próprios ou de outrem, que a partir de então foram transformados em resquícios das fragilidades da velha criatura, aquilo que compunha o  “EU” velho e mundano, o “eu”  do medo e da ignorância objeto da ira de Deus.

  Negar-se a si mesmo, não significa apenas afirmar que hoje eu não sou mais a mesma pessoa de antigamente. Negar se a si mesmo também determina a atitude de contrariar corajosamente tudo o que se opõe à vontade de Deus. Resistir a tudo aquilo que o mundo e satanás usarem como intimidação contra mim. Negar se a si mesmo: É não aceitar o afago de uma cruz virtual, é não me submeter a quem quer que seja, ou a quem insistir em me tratar como pessoa antiga que não foi transformada em filho de Deus. Nesta posição eu também sou cristo (ungido), e nesta condição de filho devo obedecer a Deus, mesmo que isto me ponha em inimizade com aqueles que mais amo e mais gosto. O primeiro passo é Negar se a si mesmo, obedeça.
     
 “Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem CONFORMES à imagem de seu filho, afim de que ELE seja o primogênito entre muitos irmãos”. (Rom. 8. 29)

ELIAS MUNIZ DE DEUS
Acadêmico de Teologia FAEPI
É membro da ICE PENIEL em Teresina (PI)