POR JÚPITER, AIRTON, UM ANO SE PASSOU SEM VOCÊ!

Airton Sampaio

Por João Luiz Rocha do Nascimento


(em memória de Airton Sampaio e para Manoel De Moura Filho, José Pereira Bezerra, Kenard Kruel Fagundes, Rogério Newton, Wellington Soares, Emerson Araújo, José Menezes de Morais, Helenita Barros Fonseca, Lunara M. Moura, Francisca Zenaide Fernandes, Rosália Mourão e FWilson Fernandes)

Era uma vez...quatro caval(h)eiros: Airton, Bezerra, João e Manoel. Nosso encontro não foi marcado, nos conhecemos meio por acaso, na segunda metade dos anos setenta. Um gosto comum nos unia: ler e escrever. Não fizemos, e nem pretendíamos fazer, nenhuma revolução, mas, iguais a tantos outros naqueles tempos, um dia vivemos a ilusão de que nos bastaríamos. Por um tempo carregamos no peito uma incômoda esperança, que não resistiu à roda viva e acabamos nos tornando órfãos da mesma utopia.
Bebíamos juntos, tínhamos até um bar que, na época, era localizado no “ferro de engomar” da Av. Miguel Rosa. Quando os encontros não se davam ali, nos reuníamos no bairro Piçarra, na casa do Bezerra, ocasião em que, na maioria das vezes, bebíamos vodca com Fanta Laranja, falávamos de livros e seus autores, ouvíamos MPB e Rock in roll. Naqueles tempos tínhamos tanta saúde que chegávamos a imaginar que éramos imortais.

O tempo, os compromissos profissionais e os deveres com a família cuidaram de nos afastar por um bom período, mas sempre estivemos unidos no silêncio e na distância, a amizade apenas hibernava.

Uma amizade que foi construída ao longo de mais de 30 anos. Nem precisávamos ficar juntos para estarmos reunidos, porque entre nós era como se tivéssemos jurado em conjunto, e no silêncio, uma fidelidade recíproca. Criamos um grupo e nos dedicamos à prosa curta. Nos demos um nome: Grupo Tarântula de contistas.
Houve um evento marcante em nossas vidas, especialmente para mim e para o Manoel, que gostaria de registrar. Diz respeito de como o Airton resgatou a mim e ao Manoel, trazendo-nos de volta para dentro de literatura. O Airton costumava dizer, e disse isso numa entrevista, que a literatura tinha nos perdido para a magistratura e para a advocacia pública, respectivamente, o que teria sido uma pena, lamentava. Mas foi o próprio Airton quem mudou o curso da história no ano de 2009, quando organizou e publicou o livro Geração de 1970 no Piauí: contos antológicos, que contou com a minha participação, do Manoel e do Bezerra, além de outros contistas que compuseram a cena na década de 70 e 80.

Aquele reencontro foi fundamental e na oportunidade eu sugeri que deveríamos retomar nossas atividades porque as circunstâncias que as paralisaram não existiam mais. Minha sugestão foi imediatamente acatada e retomamos os projetos em comum.

Não aconteceu com o Bezerra, porque ele continuou produzindo desde sempre, mas, quanto a mim e ao Manoel, devemos ao Airton, a nossa reentrada na literatura, da qual enquanto vivo nunca mais me afastarei, e tenho, inclusive, levado essa experiência para o Direito, como fiz na minha dissertação de mestrado, quando trouxe o espírito de Macunaíma, de Mário de Andrade, para a dogmática jurídica e no momento continuo trabalhando direito e literatura na minha pesquisa de doutorado, dentro da ideia de que o Direito tem muito que aprender com a literatura.

Não havia um líder no nosso grupo, ninguém de nós suportava essa ideia, mas o testemunho que acabo de dar demonstra que, na maioria das vezes, tudo girava em torno do Airton, as iniciativas normalmente partiam dele, que era quem iluminava nossos caminhos, sem dizer que o mais irreverente, irrequieto, por vezes cáustico demais, o que, quase sempre, foi objeto de incompreensão, mas sabíamos nós que por trás daquele ar implacável morava um ser cujo ente pensava no outro.

Não éramos de produzir muito, escrevíamos por gostar de escrever, simples assim e por um dever de consciência. Nossos projetos demoravam muito para acontecer. Certa vez, um amigo comum disse que tínhamos que escrever e produzir mais. Mas não tínhamos pressa e nunca gostamos de fazer concessões. Os projetos só aconteciam quando estavam maduros, sem dizer que a demora era um álibi para fazer mais uma reunião, beber e conversar, ainda que não fosse produtiva.

Ainda assim, realizamos em conjunto vários projetos. Participamos de vários concursos de contos, desafiamos com Os vencidos os vencedores. Por último colocamos na pauta um tema interdito, o erotismo, e publicamos Dei pra mal dizer. Criamos um blog denominado Confraria Tarântula, onde produzimos mais de uma centena de contos. 

Tínhamos outro projeto em andamento, interrompido com a indesejada hora. A ideia era publicar mais um livro em conjunto, monotemático, a exemplo do anterior. Já estávamos na fase de revisão dos textos quando fomos surpreendidos.

Depois de passado um ano, resolvemos, eu e o Manoel, retomar o projeto, como forma de homenagem ao Airton, que, como um bom tarântula, agora tece suas teias nos campos do Senhor.

Teresina, 13 de agosto de 2017.
João Luiz R do Nascimento