Lava Jato faz 'reféns' para tentar manter apoio, diz Gilmar Mendes

São Paulo SP Brasil 03 04 2017 O Ministro Gilmar Mendes durante aula de - Ação direta de inconstitucionalidade no bairro da Bela Vista São Paulo Jorge Araujo Folhapress 703 ORG XMIT: XXX

Mônica Bergamo/Folha de São Paulo

Alvo de pedido de impeachment por decisões como a de libertar José Dirceu, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes diz que a Operação Lava Jato tem importância "notória" e fluirá normalmente, mas sem "extravagâncias jurídicas".

Folha - Depois que o senhor e os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli determinaram que José Dirceu fosse solto, chegou-se a dizer que uma trinca de magistrados estaria articulada para neutralizar a Lava Jato. O STF abriu as portas das prisões?

Gilmar Mendes - Já aí de cambulhada há equívocos. Na semana anterior, nós [magistrados da 2ª Turma do STF] julgamos os habeas corpus de [João Cláudio] Genu [ex-tesoureiro do PP] e do [pecuarista José Carlos] Bumlai [ambos foram soltos]. E as posições foram trocadas: o decano Celso de Mello votou com a maioria no caso do Bumlai e Lewandowski, contra. O Supremo tem uma doutrina centenária que diz que a prisão preventiva tem limites. Ela será sempre temporária. E isso decorre da Constituição.
No passado inclusive a execução da pena só começava após o exaurimento de todas as instâncias [do Judiciário]. O tribunal só aceitava a prisão provisória em caso de crimes violentos e na possibilidade de continuidade delitiva. Celso de Mello argumentou que Dirceu pode continuar a cometer crimes. Esse debate se colocou porque Dirceu continuou a delinquir quando cumpria a pena [de prisão] do mensalão. Mas a tese que prevaleceu é que não haveria mais essa possibilidade já que o grupo político ao qual ele estava vinculado foi destituído do poder. E hoje nós temos as medidas cautelares como o uso de tornozeleira eletrônica e a restrição de visitas, tudo dentro desse espírito de se reforçar a excepcionalidade da prisão. A maioria, no caso de Dirceu, entendeu que essas medidas seriam bastantes. Racionalmente o argumento vencedor também é razoável. É notória a importância da Lava Jato e ninguém discute seu papel no combate à corrupção no país. Ela vai fluir normalmente e não precisa correr riscos com extravagâncias jurídicas.

O que se diz é que a porteira foi aberta e que por ela passará uma boiada. Nós teremos que examinar caso a caso. Se nós olharmos em retrospectiva, há mais casos até de deferimento de habeas corpus [pelo STF na Lava Jato] do que de indeferimento. Em abril de 2015, quando o ministro Teori Zavascki ainda era o relator da operação, a Corte acolheu por unanimidade um habeas corpus do empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC, e de outros empresários. Naquele momento também se disse que a operação estava comprometida e que, solto, ele não faria a delação. Era uma visão equivocada. Não é a prisão preventiva que é determinante para a pessoa optar pela delação. E sim a perspectiva de pena. Quem praticou crimes de corrupção e lavagem de dinheiro vê no espelho a figura de Marcos Valério, condenado a 40 anos de prisão [no mensalão] e com perspectiva de não ter mais vida livre.

- Sem as prisões haveria as delações da Odebrecht e da OAS?

Eu tenho a impressão que sim. Em muitos casos, especialmente nos que você cita, a força-tarefa já dispunha de elementos [de prova], tanto que foram anunciados como fundamento para as prisões.
E a maioria dos diretores da Odebrecht que fizeram delação estavam soltos. Há um pouco de mito nisso tudo. E tem também a doutrina da Operação Mãos Limpas [realizada na Itália na década passada]. Aqui também há uma luta pela opinião pública. O apoio dela está associado a ter reféns desse grau.

- Como assim?

Como tem sido divulgado [por integrantes da Lava Jato], o sucesso da operação dependeria de um grande apoio da opinião pública. Tanto é assim que a toda hora seus agentes estão na mídia, especialmente nas redes sociais, pedindo apoio ao povo e coisas do tipo. É uma tentativa de manter um apoio permanente [à Lava Jato]. E isso obviamente é reforçado com a existência, vamos chamar assim, entre aspas, de reféns.

- O reféns seriam os presos?

Os presos. Para que [os agentes] possam dizer: "Olha, as medidas que tomamos estão sendo efetivas". Não teria charme nenhum, nesse contexto, esperar pela condenação em segundo grau para o sujeito cumprir a pena. Tudo isso faz parte também de um jogo retórico midiático. Agora, o apoio da opinião pública é importante porque se trata também de um jogo de poder. Você está confrontando gente com poder econômico, influência política.

- Os agentes da Lava Jato não teriam razão para temer pela operação diante do histórico brasileiro de impunidade?

Uma contraprova absoluta disso é o mensalão. Não ocorreu ao Supremo prender ninguém [antes de condenado]. Olhando da perspectiva do tribunal, a mim me parece que a Corte não pode transigir com tipos de doutrinas autoritárias. A nossa é uma Constituição de feição liberal e isso tem que ser cumprido. As críticas têm sido intensas e há inclusive um pedido de impeachment do senhor. Eu decidi o mandado de segurança contra a posse do Lula [como ministro]. E virei, mais uma vez, herói de determinados grupos e inimigo número 1 de outros. Agora, no caso de Dirceu, foi o contrário. Nós temos que conviver com isso. É preciso ter consciência de que exercemos um papel civilizatório. A tentativa de jogar a opinião pública contra juízes parece legítima no jogo democrático. Mas ela não é legítima quando é feita por agentes públicos. O que se quer no final? Cometer toda a sorte de abusos e não sofrer reparos. Há uma frase de Rui Barbosa que ilustra tudo isso: o bom ladrão salvou-se mas não há salvação para o juiz covarde.

- Há juízes covardes no STF?

Quem age temendo esse tipo de pressão obviamente não tem estatura para estar no Supremo.

- Mas há na Corte magistrados sujeitos a essas pressões?

Não vou emitir juízo. Quem fica com medo de pressão e xingatório ou age para agradar a opinião pública, sabedor de que de fato a matéria justifica uma outra decisão, obviamente não está cumprindo o seu dever.

- O que o senhor achou da decisão do ministro Edson Fachin de retirar o julgamento de um habeas corpus de Antonio Palocci da 2ª Turma e levar ao plenário do STF?

Não é incomum esse tipo de prática dentro de pressupostos processuais. Se eu fosse fazer um reparo, é de forma: a questão teria que ser conversada na turma. E evidentemente isso não pode virar uma prática, de toda vez que [um ministro] entender que possa ficar em desvantagem na turma, leve o tema ao plenário. Se esse debate continuar, daqui a pouco vai ter gente dizendo em que turma quer ser julgado. Assim como se diz "ah, a 2ª Turma é liberal", alguém poderá dizer "a 1ª Turma é uma câmara de gás".

- Outra decisão polêmica foi a de libertar o empresário Eike Batista. A Procuradoria-Geral da República pediu a anulação do ato pelo fato de sua mulher trabalhar num escritório que o representa.

O ambiente, como se percebe, está confuso. Ao que estou informado, o escritório em que ela trabalha representa Eike Batista em processos cíveis, o que não tem nada a ver com o tema colocado. Nem cogitei de impedimento até porque não havia. Eu já tinha negado habeas corpus do Eike. E ninguém lembrou que eu poderia estar impedido. Isso mostra a leviandade e o oportunismo da crítica.