Reflexão


19/09/2012 – Jornal O Dia (PI)

Bolsa Família x Escola

Maria Helena Braga
Supervisora Pedagógica de Programas
do IQE – Instituto Qualidade no Ensino

Recentemente recebemos, aqui no IQE, o comentário de uma professora sobre a notícia “Frequência escolar de beneficiários do Bolsa Família deve ser registrada até 29/08/2012”. O seu relato indignado aponta que “na escola em que eu trabalho, os alunos beneficiários do Bolsa Família comparecem à sala de aula somente para registrar a presença (saindo logo depois), permitindo assim que os pais recebam a mencionada Bolsa. Há alunos com três repetências consecutivas e a escola/família não fazem nada para mudar esse quadro”. E conclui dizendo que “gostaria muito que essa realidade mudasse com a introdução de regra que condicionasse o recebimento da Bolsa à aprovação do aluno, sem recuperação, ou qualquer outra que obrigasse o estudante (e sua família) a efetivamente se interessar pela aprendizagem”.

Uma saída aparentemente simples, mas que mascara a situação do ensino no Brasil.

O Bolsa Família teria sido uma boa iniciativa se tivesse tempo determinado de existência, enquanto a sociedade brasileira se reestruturasse e aprendesse a distribuir melhor sua renda. Da forma assistencialista como vem se perpetuando, acaba provocando uma acomodação generalizada, pois é mais confortável recebê-la, sem grande esforço, do que enfrentar as dificuldades de locomoção para chegar ao trabalho, baixos salários, baixa valorização social...

Mas não é o Bolsa Família o responsável pela falta de interesse das crianças. É decepcionante constatar que a escola depende de artifícios externos para garantir a frequência e o aproveitamento de seus alunos. Ela própria precisa ser repensada, tornar-se viva e provocar vida. Precisa ser interessante, e isso não quer dizer ser divertida o tempo todo ou ter equipamentos de última geração. Deve, sim, ser desafiadora à inteligência, promover a relação entre os conteúdos que precisam ser aprendidos e o que ocorre na vida fora dela.

Alguns projetos bem sucedidos envolvem seus alunos em decisões e busca de soluções para problemas colocados pela escola. Se a criança gosta de imitar o adulto, e isso é fato facilmente observável, como não gostaria de participar de situações em que pudesse tomar para si algumas responsabilidades, plenamente compatíveis com sua idade e desenvolvimento cognitivo?

Um exemplo simples. A comunicação é uma prática comum: convites, bilhetes, comunicados, fazem parte da rotina e normalmente são responsabilidade da secretaria ou do professor. Enquanto esses escrevem, nas salas de aula as crianças aprendem a fazer bilhetes, convites, comunicados, que não vão para ninguém; são apenas situações didáticas artificiais. Por que os alunos não poderiam se encarregar de escrevê-los, nas situações que dizem respeito a eles próprios? Não se precisaria artificializar a situação, mas inserir as crianças na aprendizagem real do gênero, ou seja, cumprindo a função social que lhe cabe.

Agora, amplie-se esse exemplo simples e bem visível a todos os outros conhecimentos que precisam ser construídos! A distância é cada vez maior, na proporção em que o interesse se torna cada vez menor.

Talvez, no futuro, cheguemos a nos assustar com o que fazemos com as crianças nas escolas: alunos sentados um atrás do outro, sem possibilidade de se olhar enquanto aprendem; que passam horas em um banco escolar, o que nem os adultos conseguem; obrigadas a abrir mão da própria inteligência em nome de uma aprendizagem duvidosa; que não aprendem com clareza os limites necessários à convivência social e, como consequência, não sabem como se comportar nas situações coletivas.
Mas, e a família? Qual o seu papel nesse contexto?

Sabemos que as crianças que recebem o apoio familiar aos seus compromissos escolares têm, em geral, maior probabilidade de sucesso na escola, sentem-se mais interessadas porque seu esforço corresponde aos valores que os adultos mostram ser importantes.

Os familiares precisam garantir a realização das tarefas escolares, organizando tempo e espaço para que sejam feitas, além de legitimar, e é o que mais faz a diferença, o conhecimento e a formação promovidos pela escola.

No entanto, pode-se esperar que esse apoio surja espontaneamente? Obviamente, não. É mais uma responsabilidade da escola envolver as famílias para que compreendam o que se espera delas, para que se sintam confortáveis nos momentos em que são chamadas à instituição ou quando necessitam trocar ideias com outros adultos também responsáveis pela educação de seus filhos.

A manutenção do Bolsa Família, tal como está, decididamente não contribui para a melhoria da qualidade do ensino, que, entre outras ações, passa pela contínua revisão da atuação da escola junto aos alunos e à comunidade onde está inserida (particularmente os pais).