495 anos: Lições da Reforma Protestante





(*) Pastor Marcelo Santos


Ao analisarmos a importância da Reforma Protestante (31/10/1517) para a América Latina e as lições que dela podemos tirar, é preciso antes entender o que a motivou e como esta aconteceu.

A Reforma foi um acontecimento primeiramente religioso. Tendo, porém, acontecido em um mundo sobre determinado pelo religioso, repercutiu intensamente em todas as instituições sociais. Pode-se dizer que foi a primeira grande revolução dos tempos modernos. Uma revolução religiosa num mundo sobre determinado pela religião. Ocorreu em meio a transformações políticas, econômicas, sociais e culturais que agitavam a Europa e se entrelaçavam com as questões religiosas. Não foi um ato isolado, uma rebelião de um monge alemão que não queria mais obedecer ao papa. Ela foi muito mais do que isso.

As questões centrais da Reforma foram políticas, econômicas e teológicas, sendo principal último aspecto. Tratou-se de uma revolução, capaz de convulsionar a Europa e de reanimar a vida cristã, dando-lhe o vigor necessário para chegar ao início do terceiro milênio depois de Cristo. Quando se iniciou, no século XVI, a igreja Católica ainda lutava contra as “heresias” que haviam se originado na Idade Média, como a dos valdenses. Eles eram confundidos com os lolardos e os hussitas, pois todos pregavam que a Bíblia era a única fonte da verdade, rejeitavam a tradição e autoridade vindas de Roma e do Papado, e negavam-se a aceitar os sacramentos (exceto o batismo e a comunhão) e algumas doutrinas, como o culto dos santos e a crença na existência do Purgatório.

Os “abusos de autoridade da Igreja” eram freqüentes, como também as desigualdades sociais eram patentes. Não podendo se acomodar diante desta situação, os reformadores, dentre os quais Lutero se destaca, a partir de inquietações e reflexões pessoais, foram instrumentos e instrumentadores para dar um novo rumo à história desde então.

A partir do exposto acima, que lições podemos tirar para nossa realidade latino-americana?

A importância da reflexão 
Lutero e os demais reformadores só chegaram às conclusões que hoje conhecemos, e das quais partilhamos (seja sobre um ou outro ponto de vista), porque não se acomodaram diante daquilo que lhes tinha sido ensinado como verdade última, fechada e inquestionável. O fato de terem acesso à Revelação (privilégio somente dos sacerdotes à época) incentivou-os a buscar apreender a Verdade nela contida, mesmo que isto implicasse em discordar da “verdade dominante”.

O ardor de suas controvérsias se explica, sobretudo, pelo desejo intenso de servir à Verdade, sendo fruto de inquietações pessoais com relação ao que criam e o que deveriam pregar. Prova disto é a forma como Lutero introduz as suas 95 teses: “Movido pelo amor e pelo empenho em prol do esclarecimento da verdade discutir-se-á em Wittemberg…”. As idéias religiosas dos Reformadores são a expressão de realidades vividas, e só manifestam o seu sentido e importância quando vistas em relação à vida cristã de seus autores.

Por isso mesmo, nem todos os reformadores partilham da mesma convicção com relação a determinados temas, mas não podemos deixar de destacar, como afirma H. Strohl, que “a notável concordância de muitas das teses de todos os reformadores explica-se pela aspiração comum de não querer inventar coisa alguma, e de reproduzir, com toda fidelidade e também com toda plenitude possível, os fatos e as conseqüências da Revelação”.

Eis porque os espíritos de dotes tão diferentes, e de diferente formação, partindo de caminhos variados, puderam encontrar-se no ápice de sua jornada e desfrutar juntos o gozo da descoberta da mesma verdade libertadora. Deve-se também levar em consideração a estrutura mental de cada um dos reformadores, porque é ela que determina a forma, lírica ou didática, figurada ou racional, lógica ou dialética, de seu pensamento. Isto nos ensina que devemos estar sempre prontos a refletir sobre o que nos é apresentado como verdade, principalmente num contexto latino-americano onde a tendência é importar e assimilar e reproduzir sem questionar. Precisamos aprender a refletir sobre o que cremos, por que cremos e sobre o que este crer tem a ver conosco e como mundo a nossa volta. Neste ponto está a segunda lição.

A importância da ação
Se Lutero e os demais reformadores tivesse guardado para si o resultado de suas reflexões, importando-se mais com “o preço a ser pago” por suas ações do que com as possibilidades de mudança e crescimento, provavelmente hoje não teríamos nada a comemorar. Tanto Lutero como os demais transformaram sua teologia em instrumento de mudança, não só do aspecto religioso, como nas demais áreas. Sem dúvida, erros aconteceram e sempre acontecerão, entretanto afirmar isto do lado de cá da história é por demais cômodo.

Entre a ação e a omissão, a primeira teve primazia sobre a segunda, e se formos analisar a história, iremos perceber que ela é feitas de ambas atitudes, mas que o “desenvolvimento” acontece no momento em que a reflexão interna, produz ação externa, e não é sufocada pela omissão eterna. Como latino-americanos precisamos não só aprender a refletir, pois isto por si só pode transformar-se numa mera opinião pessoal, mas também a transformar esta reflexão em atitude, ação transformadora que produza crescimento.

Como disse Hegel: “Com a Reforma os protestantes fizeram sua revolução”. Talvez seja a hora de retomá-la como latino-americanos, através da reflexão e da ação.


(*) Pastor da Igreja Batista da Graça em São Paulo.