Análise: Barbosa, ame-o ou deixe-o


IGOR GIELOW
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA da Folha de São Paulo

O anúncio da aposentadoria de Joaquim Barbosa marca o fim de uma turbulenta e polêmica era no STF (Supremo Tribunal Federal). O ministro foi um dos mais políticos e certamente o mais divisionista chefe do Poder Judiciário da história recente.

Barbosa é um clássico caso de ame-o ou deixe-o. Para seus adversários, que já formam a "nova maioria" no plenário do STF e deverão ser reforçados por uma eventual indicação ainda nesta Presidência, Barbosa nunca abandonou as origens no Ministério Público.

Ministros o acusavam, reservadamente e em público, de agir como um promotor. A visibilidade do caso do mensalão, o maior e mais rumoroso da história do Supremo, deu ares de drama aos embates entre ele e o revisor do processo, o próximo presidente da corte, Ricardo Lewandowski.

Para seus apoiadores, o estilo agressivo em plenário gerou uma certa aura de "paladino da Justiça". O fato de que pela primeira vez um esquema envolvendo a antiga cúpula do partido no poder ter sido duramente punido forneceu argumentos concretos para a construção da imagem.

Durante a execução penal do mensalão, Barbosa fez uma leitura estrita da legislação para não facilitar a vida dos condenados, atraindo críticas entre os defensores dos presos de que ele promove uma perseguição.

Mérito à parte, o fato é que o "timing" de Barbosa durante o processo sempre garantiu que o caso permanecesse visível no noticiário –a começar pelo fatiamento do julgamento, que garantiu, no ano passado, a ida para a cadeia de Dirceu e companhia em pleno 15 de novembro.

Seja como for, talvez pela primeira vez na história a população enxergou uma Justiça eficaz contra a corrupção política de forma mais ampla. A popularidade óbvia de Barbosa em suas aparições públicas é apenas a decorrência disso.

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Joaquim Barbosa posa para foto após sua saída do Tribunal de Justiça no centro de São Paulo

Por outro lado, a dureza de Barbosa deixou várias marcas dúbias. O trato com a imprensa sempre foi difícil, e ele não perdeu uma oportunidade para entrar em conflito com jornalistas e questionar a estrutura de comando dos meios de comunicação no Brasil.

Dizer que um repórter "chafurdava no lixo" foi apenas o auge de um relacionamento tenso com a mídia. Quando exposto ao escrutínio natural do cargo, como por exemplo quando a Folha revelou que ele comprara um imóvel em Miami, sua reação posterior foi a de acusar o jornal de racismo por ser negro.

A questão da cor o acompanhou por todo o mandato, não menos porque o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nunca escondeu que buscava um negro para a vaga então aberta.

Barbosa sempre fez questão de lembrar a baixa penetração de negros no topo do mercado de trabalho em entrevistas e palestras, e de questionar o tratamento dado a eles no país. Por vezes, foi ríspido ao tratar do assunto, como na ocasião em que queixou-se de uma pergunta feita por um repórter negro, acusando-o de seguir a "linha de estereótipos" supostamente usada por jornalistas brancos.

Em outras ocasiões, expôs-se a críticas ao fazer uso de expedientes comumente associados a práticas denunciadas por ele em plenário. Recentemente, por exemplo, foi criticado e acabou por devolver parte do dinheiro que recebeu em diárias numa viagem para dar palestras na Europa durante suas férias. E foi responsável por enviar, em nome do Conselho Nacional de Justiça, carta para fazer lobby pela aprovação da proposta que aumenta os vencimentos de sua classe –  embora neste caso ele sustente que só o fez para respeitar uma decisão colegiada, algo que alguns de seus pares negam em reserva.

Sua atuação à frente do CNJ, contudo, no geral é objeto de elogios. Sob sua gestão, houve intervenções em Tribunais de Justiça com dureza antes não conhecida. A busca por uma unificação nacional dos processos judiciais informatizados, que sofreu críticas de Estados nos quais já havia um sistema próprio, é vista como correta em sua essência para combater a morosidade do Judiciário.

Para bem ou para mal, a depender de sua preferência ideológica, o STF vai mudar de ares. Com isso, é previsível que o "exemplo de cima" que influenciava o espírito de juízes Brasil afora também seja alterado. Os já clássicos debates entre Barbosa e Lewandowski, para não falar do pugilato retórico com outro membros como Marco Aurélio Mello, deverão agora ser substituídos por um clima mais moderado na corte.

O estilo mais soporífero e tecnicista de Lewandowski e de novos membros do tribunal, como Teori Zavascki, deverá ser predominante no plenário. Para os críticos de Barbosa, alívio pelo fim de uma era de embate levado ao paroxismo. Para seus admiradores, o risco de uma Justiça menos eficaz e mais corporativista.

Por fim, resta saber qual o destino político de Barbosa, que até abril poderia ter se filiado a um partido e eventualmente concorrer à Presidência. Animal político por natureza, fora do Supremo Barbosa perde o palanque permanente.

Seu eventual apoio valerá ouro para os candidatos do campo oposicionista, embora ele nunca tenha manifestado grandes afinidades por qualquer um dos presidenciáveis – exceção feita, ao menos na retórica adotada, a Marina Silva.