Em entrevista exclusiva ao 247, o governador do Piauí, Wellington Dias, afirma que a grande maioria da sociedade brasileira já se deu conta de que a presidente Dilma Rousseff não cometeu crime algum e diz ainda que os senadores, mais experientes, refletirão sobre o mal que a eventual confirmação do impeachment causaria ao País. “Se esse processo se consolidar, ninguém mais estará seguro, pois se fazem isso com uma presidente eleita, com 54 milhões de votos, podem cometer arbitrariedades contra qualquer cidadão.” Dias também avalia que Dilma teria direito a exercer seu mandato até o fim, mas enxerga na decisão de consultar a população sobre novas eleições um gesto de grandeza, que relegitimaria a presidência da República. “O Brasil precisa de paz na política para voltar a crescer e a gerar empregos”; leia a íntegra
Por Leonardo Attuch, de Teresina
À frente do estado que mais progrediu em seus indicadores econômicos e sociais nas últimas duas décadas, o governador Wellington Dias, do Piauí, enxerga uma única saída para as crises política e econômica, que estão entrelaçadas e hoje arrastam o País para uma das mais profundas recessões de sua história. “É preciso devolver ao povo o que lhe foi tirado”, afirma. Isso significa devolver legitimidade à presidência da República, com a convocação de um plebiscito sobre novas eleições, como será proposto pela presidente eleita Dilma Rousseff, em sua carta aos senadores. Segundo o governador do Piauí, as pesquisas mais recentes já demonstram que a população compreende que a presidente Dilma não cometeu crime, mas há também a convicção de que ela não teria condições de governabilidade. Por isso mesmo, seriam necessárias novas eleições. Leia, abaixo, os melhores trechos de sua entrevista:
247 – O Brasil vive hoje uma das maiores recessões da sua história. Como ela está sendo sentida no Piauí e como o sr. avalia o quadro nacional?
Wellington Dias – Quem lê o noticiário se dá conta de que a grande a crise é a política. Ao mesmo tempo, o que acontece na política influenciou diretamente a economia. E é isso o que afeta o povo, o seu dia-a-dia e cria grandes preocupações. Se a gente voltasse no tempo até 2000, por exemplo, iríamos encontrar um longo período de grandes conquistas. Em 2008, embora tenhamos tido uma crise mundial, o Brasil a enfrentou bem, ainda no governo do presidente Lula. Ao investir nos mais pobres, a renda cresceu de forma espalhada e beneficiou a todos. A mudança negativa ocorreu a partir da chegada do ministro Joaquim Levy, quando o Brasil mergulhou com muita força na austeridade.
247 – Ou seja: a guinada na política econômica, promovida pela presidente Dilma Rousseff, potencializou a crise atual?
Dias – Se você olhar para Europa, o Japão, os Estados Unidos, todos esses países buscaram medidas de estímulo para tentar garantir a retomada do crescimento econômico. Foi feito um crescimento da dívida, planejado para o crescimento da economia. No Brasil, eu argumentei que seria preciso enfrentar a crise também com estímulos. Por exemplo, abrindo espaço para mais captações externas. Eu visitei vários bancos internacionais de fomento. Nós temos condição de tomar empréstimos internacionais, com total segurança, dada a robusta posição do País com suas reservas internacionais.
247 – A ideia seria usar as reservas como garantia?
Dias – Olhando a carteira de investimentos em todos os estados, nós temos um volume significativo que ou estão andando mais lentamente, ou pararam ou, mesmo prontos, não foram colocados em operação. No Nordeste, nós fizemos um encontro dos governadores e desenhamos uma proposta para o ministro Henrique Meirelles. A União pegaria parte das reservas, quitaria dívida interna e abriria espaço para a tomada de empréstimos externos, que seriam quitados tanto pelos estados como pela União. Houve uma renegociação da dívida dos estados, que beneficiou São Paulo, Minas Gerais, mas alguns estados do Nordeste, como o Piauí, têm dívida zero.
247 – Houve uma acolhida dessa proposta por parte do ministro Meirelles?
Dias – Eu senti que houve uma compreensão. Qual é o ponto agora? Nós precisamos de uma resposta e teremos uma nova agenda dos governadores do Nordeste com o ministro Meirelles. Alguns estados estão entrando em colapso. Nós ainda temos oxigênio, porque o estado do Piauí cresceu muito nos últimos anos, mas já há uma preocupação.
247 – O sr. afirmou que um dos componentes dessa crise econômica é o impasse político. Já são quase dois anos de guerra, desde o fim da eleição presidencial. O sr. acredita numa pacificação ao final desse mês?
Dias – Minha posição é muito clara. Desde o início, eu tive o privilégio de conviver com a presidenta Dilma. Todos sabem que ela é honesta. Aliás, nesses dias eu estava no município de Nova Santa Rita do Piauí e um trabalhador rural me disse: tiraram a presidenta porque ela é honesta demais. Isso demonstra claramente que, para cada vez mais pessoas, fica claro que ela não cometeu crime de responsabilidade. Aliás, ela não cometeu crime algum. Ora, é uma ameaça à própria democracia, na minha opinião, afastar e consolidar o afastamento de uma presidente eleita com 54 milhões de votos sem que tenha cometido nenhum crime de responsabilidade.
247 – A democracia fica ferida de morte?
Dias – Certamente. E o risco não é só para quem é presidente, para quem é governador, para quem é prefeito. Para qualquer pessoa do setor público ou do setor privado. Se pode com o presidente, pode com todos. Onde é que isso faz uma interface com a economia? Vamos ser sinceros. Se tivéssemos uma economia com crescimento e geração de emprego, seria aberto um processo como esse? Acho que não. Na minha opinião, erros na economia geraram esse processo e o Congresso praticamente parou, principalmente na Câmara. Houve um boicote à governabilidade.
247 – O peso desse boicote não foi maior do que o dos erros?
Dias – Quem perdeu a eleição de 2014, sem dúvida, não se conformou com a derrota e tirou proveito da baixa popularidade. Mas eu continuo acreditando que no Senado Federal, composto por pessoas que viveram experiências de governo, haverá mais responsabilidade com a Nação. Por tudo o que foi esclarecido até agora, cada vez fica mais cristalino que a presidente não cometeu crime de responsabilidade.
247 – Como é a percepção desse processo no Piauí e no Nordeste?
Dias – Aqui, a presidente foi eleita com 77% dos votos. Quando no Brasil, com todo esse desgaste montado, ela chegou a 10%, 12% de aprovação, aqui ela ficava em 24%, 25%. Trinta dias depois do afastamento, ela já estava com 54% de aprovação e agora está com mais de 61%. A população reconhece, cada vez mais claramente, que o que está em jogo é a mudança de um projeto nacional. Um projeto em que regiões mais pobres, como o Piauí, ganhavam. Desde 2003, os 10% mais pobres do Piauí viram sua renda crescer 16% ao ano. Os 10% mais ricos cresceram 4% ao ano. Todos ganharam – o que reforça o argumento do presidente Lula de que o pobre nunca foi problema, mas sim solução.
247 – Já há uma reversão dos indicadores econômicos?
Dias – Já se sente sim. No ano passado, houve empate entre emprego e desemprego. Nesse semestre, já houve queda líquida. E o Piauí é um dos estados que, proporcionalmente, mais abriu novas vagas nos últimos anos.
247 – Se essa mudança se consolidar, como será seu diálogo com um eventual governo Temer consolidado?
Dias – Sou governador e já tenho que agora estar lidando com o governo. Temos aqui 3,2 milhões de brasileiros vivendo no Piauí. Nesses dias tivemos uma situação, em que não foi renovada a concessão de energia da Eletrobrás Piauí. Esperávamos a renovação por 30 anos. Imediatamente, liguei ao presidente Michel Temer, com quem convivi como vice-presidente e como deputado. Depois estive com o ministro Fernando Bezerra Filho. Hoje, o serviço está em poder da União.
247 – O objetivo é privatizar a empresa?
Dias – Sim, mas a nossa proposta é renovar a concessão e sanear a companhia para que, em seguida, o dono da empresa, que é o governo federal, decida o que fazer. Mas continuo acreditando que a Constituição brasileira será respeitada. Não havendo, como não há, crime de responsabilidade, a presidente Dilma retornará.
247 – Ela está finalizando uma carta, que está sendo discutida com senadores, em que assume o compromisso de consultar a população sobre novas eleições. O sr. concorda com esse movimento?
Dias – Concordo. Antes da votação na Câmara, eu já sustentava essa tese. O Brasil não vive um regime parlamentarista, mas fez-se um parlamentarismo à força. O que eu defendo? Chegamos a uma situação em que não havia maioria suficiente para dar sustentabilidade ao governo Dilma, principalmente na Câmara. Para termos novas eleições, seria necessário que os eleitos renunciassem. Mas se houver uma alternativa como essa do plebiscito, será possível cumprir a Constituição e, ao mesmo tempo, garantir que a vontade do povo prevaleça.
247 – Só novas eleições relegitimariam a presidência?
Dias – Eu estava no Senado até 2014. Eu ouço dos meus colegas duas coisas. De um lado, não há crime de responsabilidade. De outro, é preciso buscar um caminho que dê solução ao impasse político no Brasil. Como fazer isso pela via democrática? A eleição é a saída democrática que o Brasil necessita. Chamar essa eleição seria um gesto de muita grandeza da presidente Dilma, que, na verdade, teria o direito de concluir seu mandato até 31 de dezembro de 2018.
247 – E depois disso?
Dias – Vamos ter que fazer a reforma política e estamos pagando o preço de não a termos feito até agora. Hoje, nós temos o pior sistema do mundo. É muito caro, foi contaminado pelo financiamento privado, que gerou todas essas distorções, e ainda por cima é extremamente judicializado. Com isso, vamos poder cuidar da economia, pensando no povo brasileiro. Foi com esse olhar que a presidente Dilma pensou na consulta popular. Embora ela tenha o direito de seguir até o fim de 2018, ela se submete à população que a elegeu. O povo é sábio. Na minha opinião, o povo quer o respeito à Constituição. Ou seja: quer que a eleita retorne a seu mandato. Ao mesmo tempo, o povo quer uma saída para este impasse. Por isso que eu vejo como um gesto de muita grandeza da presidenta Dilma a consulta popular.
247 – O sr. defende que ela mantenha a equipe econômica?
Dias – Primeiro, é preciso confiar a ela essa escolha. Apenas lembro que, ao assumir o segundo mandato, já era lembrado o nome do Henrique Meirelles. Confesso que a grande surpresa a escolha do ministro Joaquim Levy.