No Brasil, já que temos uma política nacional para doenças raras, que tal tirá-la do papel para que torne realidade?
Não é preciso explicar o motivo da escolha de um dia que só ocorre a quatro anos para lembrar das pessoas atingidas por doenças raras. A data marca a luta mundial de milhares de pessoas portadoras ou afetadas por uma entre quase 8 mil doenças raras existentes. Nesse universo, 80% têm origem genética e os outros 20% são atribuídos a causas ambientais, infecciosas e imunológicas. No País, até agora são cerca de 13 milhões de indivíduos atingidos diretamente e cerca de 25% da população de modo indireto.
Entre os principais problemas encontrados por essa comunidade, estão as dificuldades de acesso ao diagnóstico, aos medicamentos e às terapias auxiliares para manter alguma qualidade de vida. O futuro é incerto e sonhos simples são colocados à prova diariamente. Nesse cenário, o Brasil desponta por sua política pública de universalização da saúde e já conta com uma diretriz de atenção integral às pessoas com doenças raras. Um grande passo. Mas falta muito. É fundamental discutir políticas públicas, procedimentos e o destino dessa população.
A jornada de um paciente para conseguir o diagnóstico correto é de 12 anos, em média. Há, no entanto, casos em que a busca levou mais de 20 anos. Depois, ainda é preciso acertar a medicação. Se ela existir (somente 5% das doenças têm remédios indicados), é preciso saber se está disponível no Sistema Único de Saúde – e poucos desses medicamentos estão. Caso contrário, a batalha pela sobrevivência seguirá pelo Judiciário e, com sorte, o medicamento será entregue ao paciente em torno de oito meses após o início do processo.
O longo tempo perdido entre o diagnóstico e o início de tratamento faz com que a doença se agrave e, em alguns casos, produza danos sem possibilidade de recuperação. A esperança e qualidade de vida do paciente diminuem, os custos aumentam. E o Brasil todo perde novamente.
Parte dessa questão poderia ser minimizada se a academia médica se dedicasse mais ao conhecimento dessas patologias. Como resultado, o período de diagnóstico poderia seria excepcionalmente menor – e mesmo a evolução da patologia, o que também impactaria positivamente nos custos do tratamento.
Ao mesmo tempo em que é necessário aumentar o interesse das indústrias farmacêuticas pelo desenvolvimento de novos medicamentos especializados – apesar de algumas empresas se dedicarem somente a esse mercado restrito – é fundamental também promover a adequação do processo de análise e incorporação desse tipo diferenciado de produto. Há experiências mundiais positivas nesse sentido que podem ser usadas como exemplo.
Com isso, os processos judiciais diminuíriam e o governo teria maior força de barganha frente aos fornecedores, reduzindo custos novamente.
No Brasil, precisamos avançar. Já que temos uma política nacional para doenças raras, que tal implementá-la efetivamente? Que tal tirar do papel os centros de referência, disponibilizar equipes multidisciplinares capacitadas para o atendimento das várias patologias e criar protocolos eficientes de fato? Tudo isso custa caro, sabemos. Principalmente para um país de proporções continentais e que vive um momento babélico na saúde coletiva. Levantar mais uma querela pode soar como algo disparatado, mas é necessário.
O mundo hoje discute a epidemia de zika e busca soluções para frear a explosão da doença e suas consequências. O futuro guardará as decisões de hoje.
(*) Antoine Daher é membro da câmara técnica de doenças raras do Conselho Federal de Medicina, do comitê de ética do Hospital das Clínicas, presidente da Casa Hunter e pai de Antony, portador de MPS II