Por Haroldo Lima
O sol muito quente e as marés muito altas de S. Luis do Maranhão ficaram como pano de fundo da posse de Flávio Dino, o comunista que assumiu o Governo de seu estado agora, a 1º de janeiro passado. Foi uma posse diferente, teve as marcas indeléveis da esquerda.
Em primeiro lugar foi em praça pública, com o logradouro que fica à frente do Palácio dos Leões, sede do Governo do Estado, totalmente ocupado pelo povo.
Em segundo lugar, criou-se o ambiente de conquista, de vitória memorável, de anseios populares atingidos. Logo após o Hino Nacional, cantadores maranhenses se revezaram em músicas que repunham o clima da luta contra a ditadura, o avanço inexorável do povo. Os mais jovens tiveram uma indicação do que foi o clamor dos oprimidos quando enfrentavam a repressão com uma música rebelde, insolente e desafiadora. Os mais velhos se emocionaram com os acordes de “Caminhando e Cantando” que outrora cantaram e com a conclamação antológica que diz “vem vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer”. O Maranhão chegava finalmente à democracia e inaugurava essa nova fase de sua vida com pujança e nitidez.
É quando começa a falar o líder local proeminente que esse processo revelou, Flávio Dino. O seu perfil de sertanejo vibrante, de tez morena nordestina e de cabeça grande que não consegue esconder sua inteligência domina a praça. O equilíbrio e a precisão relembram que ali estava também um Magistrado que se destacara em seu meio. Diz que seu agradecimento inicial é a Deus, em quem acredita, e em seguida ao povo, a quem reverencia. Assinala que foi eleito sob o signo das mudanças e que as ditas mudanças começariam ali, já, naquela hora. E anunciou 17 medidas imediatas, assinando-as em público.
Os decretos, as medidas provisórias e os projetos-de-lei soaram como uma trombeta anunciando o início de um novo tempo. E o governador proclamou: começa agora o tempo dos direitos, em substituição ao tempo dos favores. Mostrou que o Maranhão não pretende ficar olhando e criticando seu passado oligárquico, que pretende transformá-lo, sem entretanto deixar de passar a limpo irregularidades que venham a ser constatadas.
Por isso, uma das primeiras medidas anunciadas estabelecia que todo logradouro que tivesse nome de alguém citado no Relatório da Comissão da Verdade como agente da repressão e da tortura terá seu nome alterado imediatamente.
Em um estado que prima pelas dezenas de praças e ruas com o sobrenome da família até então dominante, sobretudo de seu chefe vivo, outro ato proíbe que nome de pessoa possa ser dado a qualquer prédio, ou rua, etc., se seu portador estiver vivo.
No momento que o povo brasileiro se rebela contra privilégios, gastanças e corrupção, também foi dos primeiros atos de Flávio Dino criar uma comissão para avaliar e vender a Casa de Veraneio do Governador, fonte de gastos e prepotência. Era uma clara demonstração de que o governador comunista não vai se apoiar em cargo para manter ou criar privilégio.
Dois outros projetos chamaram a atenção da população, o que instituía o processo democrático eleitoral para a escolha dos diretores das Escolas Públicas Estaduais e o que proibia que os próximos govenadores, Flavio Dino incluído, pudesse usar contra futuros candidatos a governador, “o arbítrio que foi usado nessa eleição contra a minha própria candidatura.”
Especial manifestação de apoio recebeu o governador ao anunciar medidas concretas para garantir direitos mínimos à população carente. Foi vivamente aplaudida a medida que sustentava que nenhuma criança iria mais para a escola de pés descalços – realidade ainda existente no interior do estado - e a que criava o Programa Mais Bolsa Família Estadual, que vai assegurar a cada criança carente uma mochila com livros, cadernos, canetas, lápis “e esperança”, como disse Flávio.
Providências ligadas à revitalização da economia também foram referidas nessa primeira leva de decisões. Sobressaiu-se nessa hora a criação do Conselho Empresarial do Maranhão e a de um Comitê Gestor para um IDH Mais Justo.
No estado que se notabilizou recentemente por graves problemas de segurança, dentro e fora dos presídios, o novo governador afirmou que ao invés de cortar cargos na PM, vai promover militares a novos cargos e diligenciar a incorporação de 1.000 novos policiais concursados nos quadros da PM.
A posse de Flávio Dino teve sua singularidade. Mostrou que o novo governo, dirigido por um comunista, vem no desdobramento de um processo longo, que passou pela tenaz luta de nosso povo contra a ditadura; assinalou que o início das mudanças não deve ser protelado, deve começar de imediato, deve ser claro e assumir aspectos simbólicos; que a preocupação central das transformações deve ser beneficiar o povo mais simples, a população mais espoliada; que o roubo não vai mais campear, e que, mesmo sem motivações policialescas, os prejuízos causados aos cofres públicos serão apurados; que a história vai ser reescrita, extirpando-se homenagens indevidas e homenageando-se os verdadeiros heróis do povo.
Por último, a forma pela qual foi celebrada a posse de Flávio Dino deve ser divulgada entre os comunistas, os socialistas e os homens de esquerda de uma maneira geral. Ela salienta a postura tradicional da esquerda brasileira, pautada na coerência, na simplicidade, na firmeza e na luta contra os privilégios, confirmada pelo exemplo de abrir mão dos existentes e não criar outros.
Por ter se esmerado em deixar claro essas características, a posse de Flávio Dino serve como exemplo de uma posse de esquerda no Brasil.
Do Portal Vermelho