Por Mauro Santayana
Está em curso, há anos, nas “redes sociais” insidiosa campanha de agressão à democracia e crescentes ataques às instituições.
Quem cala, consente. Os governos do PT têm feito, em todo esse período, cara de paisagem. Nem mesmo quando diretamente insultados, ou caluniados, os dirigentes do partido tomaram qualquer providência contra quem os atacava, ou atacava as instituições, esquecendo-se de que, ao se omitirem, a primeira vítima foi a democracia. Nisso, sejamos francos, foram precedidos por todos os governos anteriores, que chegaram ao poder depois da redemocratização do país.
Mergulhados na luta política e na administração cotidiana dos problemas nacionais, nenhum deles percebeu que o primeiro dever que tínhamos, nesta nação, depois do fim do período autoritário, era regar e proteger a frágil flor da Liberdade, ensinando sua importância e virtudes às novas gerações, para que sua chama não se apagasse no coração dos brasileiros.
Se, naquele momento, o da batalha pela reconquista do Estado de Direito, cantávamos em letras de rock que queríamos votar para presidente, hoje parece que os polos da razão foram trocados, e que vivemos sob a égide da insânia e da vilania.
Em absoluta inversão de valores, da ética, da informação, da própria história, retorna a velha balela anticomunista de que Jango — um latifundiário liberal ligado ao trabalhismo — ia implantar uma ditadura cubano-soviética no Brasil, ou que algumas dezenas de estudantes poderiam derrubar, quatro anos depois, um regime autoritário fortemente armado, quando não havia nenhuma condição interna ou externa para isso.
Agora, para muitos que se manifestam pela internet, quem combatia pela democracia virou terrorista, os torturadores são incensados e defendidos, e prega-se abertamente o fim do Estado de Direito, como se o fascismo e o autoritarismo fossem solução para alguma coisa, ou o Brasil não fosse ficar, política e economicamente, imediata e absolutamente, isolado do resto do mundo, caso fosse rompida a normalidade constitucional.
Ora, os mesmos internautas que insultam, hoje, o Judiciário, sem serem incomodados — afirmando que o ministro Toffoli fraudou as eleições — já atacaram pesadamente Aécio Neves e sua família, quando ele disputava a indicação como candidato à Presidência pelo PSDB em 2010.
São eles os mesmos que agridem os comandantes militares, acusando-os de serem “frouxos” e estarem controlados pelos comunistas, e deixam claro seu desprezo pelas instituições brasileiras, incluindo as Forças Armadas, pedindo em petição pública à Casa Branca uma intervenção dos Estados Unidos no Brasil, como se fôssemos reles quintal dos EUA, quando são eles os que se comportam como abjetos vira-latas, em sua patética submissão ao estrangeiro.
São eles os que defendem o extermínio dos nordestinos e a divisão do país, como se apenas naquela região a candidata da situação tivesse obtido maioria, e não estivéssemos todos misturados, ou nos fosse proibida a travessia das fronteiras dos estados.
São eles que inventam generais de araque, supostos autores de manifestos igualmente falsos, e usam, sem autorização, o nome de oficiais da reserva, em documentos delirantes, tentando manipular, a todo momento, a base das Forças Armadas e as forças de segurança, dando a impressão de que existem sediciosos no Exército, na Marinha, na Aeronáutica, quando as três forças se encontram unidas, na execução de projetos como o comando das Operações de Paz da ONU no Haiti e no Líbano; as Operações Ágata, em nossas fronteiras; o novo Jato Cargueiro Militar KC-390 da Embraer; o novo Sistema de Mísseis Astros 2020 da Avibras; ou o novo submarino nuclear brasileiro, no cumprimento, com louvor, de sua missão constitucional.
O site SRZD, do jornalista Sérgio Rezende, entrou em contato com oficiais militares da reserva, que supostamente teriam “assinado” um manifesto, que circula, há algum tempo, na internet. O texto se refere a “overdose de covardia, cumplicidade e omissão dos comandantes militares” e afirma que, como não há possibilidade de tirar o PT do poder pelas urnas, é preciso dar um golpe militar, antes que o Brasil se transforme em uma “Cuba Continental”.
Segundo o SRZD, todos os oficiais entrevistados, incluindo alguns generais, negaram peremptoriamente terem assinado esse “manifesto” e afirmaram já ter entrado em contato com o Ministério do Exército, denunciando tratar-se o e-mail que divulgava a mensagem de uma farsa e desmentindo sua participação no suposto movimento.
Por mais que queiram os novos hitlernautas, os militares brasileiros sabem que o governo atual não é comunista e que o Brasil não está, como apregoam os “aloprados” de extrema direita que tomaram conta da internet, ameaçado pelo comunismo internacional.
Como dizer que é comunista, um país em que os bancos lucram bilhões, todos os trimestres; em que qualquer um — prerrogativa maior da livre iniciativa — pode montar uma empresa a qualquer hora, até mesmo com apoio do governo e de instituições como o Sebrae; no qual investidores de todo o mundo aplicam mais de 60 bilhões de dólares, a cada 12 meses, em Investimento Estrangeiro Direto; onde dezenas de empresas multinacionais se instalam, todos os anos, junto às milhares já existentes, e mandam, sem nenhuma restrição, a cada fim de exercício, bilhões e bilhões de dólares e euros em remessa de lucro para e exterior?
Como taxar de comunista um país que importa tecnologia ocidental para seus armamentos, tanques, belonaves e aeronaves, cooperando, nesse sentido, com nações como a França, a Suécia, a Inglaterra e os Estados Unidos? Que participa de manobras militares com os próprios EUA, com países democráticos da América do Sul e com democracias emergentes, como a Índia e a África do Sul?
Baboso, atrasado, furibundo, ignorante, permanentemente alimentado e realimentado por mitos e mentiras espatafúrdias, que medram como fungos nos esgotos mais sombrios da Rede Mundial, o anticomunista de teclado brasileiro é sobretudo hipócrita e mendaz.
Ele acredita “piamente” que Dilma Rousseff assaltou bancos e matou pessoas e que José Genoíno esquartejou pessoalmente um jovem, começando sadicamente pelas orelhas, quando não existe nesse sentido nenhum documento da ditadura militar.
Ele vê em um site uma foto da Escola Superior de Agricultura da USP, a Esalq, situada em Piracicaba, e acredita, também, “piamente”, que é uma foto da mansão do “Lulinha”, que teria virado o maior fazendeiro do país, junto com seu pai, sem que exista uma única escritura, ou o depoimento — até mesmo eventualmente comprado — de um simples peão de fazenda ou de um funcionário de cartório, que aponte para alguma prova ou indício disso, como de outras “lendas urbanas”, como a participação da família do ex-presidente da República na propriedade de um grande frigorífico nacional.
Ele crê, piamente, e divulga isso, todo o tempo, que todos os 600 mil presos brasileiros têm direito a auxílio-reclusão quando quase 50% deles sequer foram julgados, e menos de 7% recebem esse benefício, e mesmo assim porque contribuíram normalmente, antes de serem presos, para a Previdência, durante anos, como qualquer trabalhador comum.
Nada contra alguém ser de direita, desde que se obedeçam as regras estabelecidas na Constituição. Nesse sentido, o senhor Jair Bolsonaro presta um serviço à democracia quando diz que falta, no Brasil, um partido com essa orientação ideológica, e já se declara candidato à Presidência, por essa provável agremiação, ou por essa parcela do eleitorado, no pleito de 2018.
Os mesmos internautas que pensam que Cuba é uma ditadura contagiosa e sanguinária, da qual o Brasil não pode se aproximar, ligam para os amigos para se gabar de seu novo smartphone ou do último gadget da moda, Made in República Popular da China, que acabaram de comprar.
Eles são os mesmos que leem os textos escritos, com toda a liberdade, pela opositora cubana Yoami Sanchez — já convenientemente traduzidos por “voluntários” para 18 diferentes idiomas — e não se perguntam, por que, sendo Cuba uma ditadura, ela está escrevendo de seu confortabilíssimo, para os padrões locais, apartamento de Havana, e não pendurada em um pau de arara, ou tomando choques e sendo espancada na prisão.
Mas fingem ignorar que 188 países condenaram, há alguns dias, em votação de Resolução da ONU, o embargo dos Estados Unidos contra Cuba, exigindo o fim do bloqueio.
Ou que os EUA elogiaram e agradeceram a dedicação, qualidade e profissionalismo de centenas de médicos cubanos enviados pelo governo de Havana para colaborar, na África, com os Estados Unidos, no combate à pandemia e tratamento das milhares de vítimas do ebola.
Ou que a Espanha direitista de Mariano Rajoy, e não a Coreia do Norte, por exemplo, é o maior sócio comercial de Cuba.
Ou que há poucos dias acabou em Havana a XXXIII FIHAV, uma feira internacional de negócios com 4.500 expositores de mais de 60 países — aproximadamente 90% deles ocidentais — com a apresentação, pelo governo cubano, a ávidos investidores estrangeiros, como os italianos, canadenses e chineses, de 271 diferentes projetos de infraestrutura, com investimento previsto de mais de 8 bilhões de dólares.
Radical, anacrônica, desinformada e mais realista que o rei, a minoria antidemocrática que vai, eventualmente, para as ruas e se manifesta raivosamente na internet querendo falar em nome do país e do PSDB, pedindo o impeachment da presidente da República e uma intervenção militar, ou dizendo que é preciso se armar para uma guerra civil, baseia-se na fantasia de que a nação está dividida em duas e que houve fraude nas urnas, mas se esquece, no entanto, de um “pequeno” detalhe: quase um terço dos eleitores, ou mais de 31 milhões de brasileiros, ausentes ou donos de votos brancos e nulos, não votaram nem em Dilma nem em Aécio, e não podem ser ignorados, como se não existissem, quando se fala do futuro do país.
Cautelosa e consciente da existência de certos limites intransponíveis, impostos pelo pudor e pela razão, a oposição tem se recusado a meter a mão nessa cumbuca, fazendo questão de manter razoável distância desse pessoal.
Guindado, pelo voto, à posição de líder inconteste da oposição, o senador Aécio Neves, presidente do PSDB, por ocasião de seu primeiro discurso depois do pleito, no Congresso, disse que respeita a democracia permanentemente e que “qualquer utilização dessas manifestações no sentido de qualquer tipo de retrocesso terá a nossa mais veemente oposição. Eu fui o candidato das liberdades, da democracia, do respeito. Aqueles que agem de forma autoritária e truculenta estão no outro campo político, não estão no nosso campo político”.
Antes dele, atacado por internautas, por ter classificado de “antidemocráticas” as manifestações pedindo o impeachment da presidente Dilma e a volta do autoritarismo, o agrônomo e assessor de marketing Xico Graziano, também do PSDB, já tinha afirmado que “a truculência dessa cambada fascista que me atacou passa de qualquer limite civilizado. No fundo, eles provaram que eu estava certo: não são democratas. Pelo contrário, disfarçam-se na liberdade para esconder seu autoritarismo”.
E o vice-presidente nacional do PSDB, Alberto Goldman, também negou, no dia primeiro, em São Paulo, que o partido ou a campanha de Aécio Neves estivessem por trás ou apoiassem — classificando-as de “irresponsáveis” — as manifestações pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff.
É extremamente louvável a iniciativa do presidente da OAB, Marcus Vinícius Furtado Côelho, de pedir a investigação e o indiciamento, que já estão em curso, pela Polícia Federal, com base na Lei do Racismo por procedência, dos internautas responsáveis pela campanha contra os nordestinos, lançada logo após a divulgação do resultado da eleição.
Mas, se essa campanha é grave, mais grave ainda, para toda a sociedade brasileira, tem sido a pregação constante, que já ocorre há anos, pelos mesmos internautas, da realização de um Golpe de Estado, do assassinato e da tortura de políticos e intelectuais de esquerda, e de “políticos” de modo geral, além do apelo à mobilização para uma guerra civil, incluindo até mesmo a sugestão da compra de armas para a derrubada das instituições.
Cabe ao STF, ao Ministério Público, ao TSE, e aos tribunais eleitorais dos estados, que estão diretamente afeitos ao assunto, e à OAB, por meio de seus dirigentes, pedir, como está ocorrendo nos casos de racismo, a imediata investigação, e responsabilização, criminal, dos autores desses comentários, cada vez mais rançosos e afoitos, devido à impunidade, e o estabelecimento de multas para os veículos de comunicação, que os reproduzem, já que na maioria deles existem mecanismos de “moderação” que não têm sido corretamente aplicados nesses casos.
A Lei 7.170 é clara, e define como “crimes contra a Segurança Nacional e a Ordem Política e Social, manifestações contra o atual regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito”.
Há mais de 30 anos, pelas mãos de Tancredo Neves e de Ulisses Guimarães — em uma luta da qual Aécio também participou — e de milhões de cidadãos brasileiros, que foram às ruas, para exigir o fim do arbítrio e a volta do Estado de Direito, o Brasil reconquistou a democracia, pela qual havia lutado, antes, a geração de Dilma Rousseff, José Dirceu, José Serra e Aluísio Nunes, entre outros.
Por mais que se enfrentem, agora, essas lideranças, não dá para apagar, de suas biografias, que todos tiveram seu batismo político nas mesmas trincheiras, enfrentando o autoritarismo.
Cabe a eles, principalmente os que ocupam, neste momento, alguns dos mais altos cargos da República, assumir de uma vez por todas sua responsabilidade na defesa e proteção da democracia, para que a Liberdade e o bom-senso não esmoreçam, nem desapareçam, imolados no altar da imbecilidade.
Jornalistas, meios de comunicação, Judiciário, militares, Ministério Público, Congresso, Governo e Oposição, precisamos, todos, derrubar os pilares da estupidez, erguidos com o barro pisado, diuturnamente, pelas patas do ódio e da ignorância, antes que eles ameacem a estabilidade e a sobrevivência da nação, e da democracia.