247 - O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), apresentou nesta terça-feira (9) um duro voto no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros sete aliados, acusados de arquitetar a tentativa de golpe de Estado contra o resultado das eleições de 2022, vencidas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"Diante de todo o exposto, voto no sentido da procedência total da ação penal para condenar os réus Almir Garnier Santos, Anderson Gustavo Torres, Augusto Ribeiro Pereira, Mauro Cesar Barbosa Cid, Paulo Sergio Nogueira de Oliveira e Walter Souza Braga Netto pela prática de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração do patrimônio tombado", disse Moraes.
"Em relação a Jair Messias Bolsonaro, pelas mesmas infrações já descritas e a imputação específica de liderar a organização criminosa", acrescentou. "E condeno o réu Alexandre Ramagem pelas práticas de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado".
Relator do caso na Primeira Turma, Moraes descreveu em detalhes o funcionamento de uma organização criminosa liderada pelo ex-presidente, analisou provas, rebateu argumentos das defesas e ressaltou que o país esteve à beira de retroceder a um regime autoritário. réus praticaram todas as infrações penais imputadas pela Procuradoria-Geral da República', diz Moraes.
Estamos esquecendo aos poucos que o Brasil quase volta a uma ditadura que durou 20 anos porque uma organização criminosa constituída por um grupo político não sabe perder eleições”, afirmou.
Organização criminosa sob comando de Bolsonaro
Moraes estruturou seu voto destacando a atuação contínua de Bolsonaro desde julho de 2021 até os atos de 8 de janeiro de 2023. Segundo o ministro, o ex-presidente chefiava uma rede hierárquica e permanente, dedicada a atacar a democracia brasileira.
“O conjunto é de uma organização criminosa sob a liderança de Jair Messias Bolsonaro que, durante o período de julho de 2021 até 8 de janeiro de 2023, com divisão de tarefas e de forma permanente e hierarquizada, praticou vários atos executórios destinados a, primeiro: atentar contra o Estado Democrático de Direito (...). E também atos executórios para tentar depor por meio de grave ameaça governo legitimamente constituído”, disse.
Ele destacou que se tratam de crimes autônomos — atentar contra o Estado de Direito e tentativa de golpe de Estado — e que as penas podem ser somadas.
A estratégia de desacreditar a democraciaSegundo Moraes, a partir de 2021 o grupo iniciou uma ofensiva contra o sistema eleitoral, buscando desacreditar as urnas eletrônicas e colocar a população contra o Judiciário.
“A organização criminosa iniciou a consumação desses atos executórios com a finalidade de perpetuação no poder, seja mediante um controle do Judiciário e do TSE, seja desrespeitando as regras da democracia e as eleições que ocorreriam em 2022”, afirmou.
Ele detalhou ainda a utilização da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) na criação da chamada “Abin paralela”, voltada a monitorar adversários políticos e difundir desinformação.
“Não é razoável achar normal um general do Exército, general quatro estrelas, ministro do GSI, ter uma agenda com anotações golpistas, preparando a execução de atos para deslegitimar as eleições, o Judiciário e para se perpetuar no poder”, criticou, em referência ao general Augusto Heleno.
O 7 de Setembro e a "confissão"
O ministro relembrou o 7 de Setembro de 2021 como um marco na escalada golpista. Na ocasião, Bolsonaro discursou em Brasília e em São Paulo, fazendo ameaças ao STF.
“Isso não é conversa de bar (...). Isso é o presidente da República no 7 de Setembro, a data da independência do Brasil, instigando milhares de pessoas contra o Supremo, contra o Judiciário, e especificamente contra um ministro do STF”, disse.
Para Moraes, os discursos configuraram confissão pública de crime. “Uma frase que confessa novamente, de viva-voz, perante milhares de pessoas, o crime de abolição do Estado Democrático de Direito (...). Qualquer pessoa decente e de boa-fé sabe que um líder político, num alto cargo, instigando, insuflando milhares de pessoas dessa forma, aumenta exponencialmente as agressões, ameaças ao Supremo, aos ministros e às suas famílias".
A reunião com embaixadores e a "tentativa de retorno à posição de colônia"Outro episódio duramente criticado foi a reunião convocada por Bolsonaro em 18 de julho de 2022 com embaixadores estrangeiros, no Palácio da Alvorada, para desacreditar o sistema eletrônico de votação.
“Essa reunião eu diria que talvez entre para a história como um dos momentos de maior entreguismo nacional (...). Os últimos acontecimentos demonstram que esta reunião foi só preparatório para uma tentativa de retorno à posição de colônia brasileira, só que não mais de Portugal”, disse Moraes.
Para ele, o encontro teve como objetivo “já preparar o descrédito nos resultados eleitorais, sempre naquela finalidade desse grupo político se perpetuar no poder”.
A derrota eleitoral e a nota da Defesa
Moraes recordou que, após a derrota de Bolsonaro no segundo turno, em 30 de outubro de 2022, a organização criminosa financiou bloqueios de rodovias e incentivou acampamentos em frente a quartéis. Ele criticou a omissão da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e destacou que, em 10 de novembro, o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, divulgou uma nota para manter viva a narrativa de fraude.
“Uma das mais esdrúxulas notas, vergonhosas notas, que um ministro da Defesa do Brasil pode ter emitido. (...) Vergonhosa a conduta. Seria só vergonhosa se não fosse criminosa”, afirmou.
Estado de sítio como disfarce para golpeO relator também rejeitou os argumentos de Bolsonaro de que discutia apenas “considerandos” ou hipóteses constitucionais com militares.
“Não existe previsão constitucional para decretação de estado de sítio, estado de defesa ou GLO no caso de derrota eleitoral. Não existe. Chame-se como quiser. Aqui era uma minuta de golpe de Estado”, declarou.
E ironizou: “Quem pretende dar um golpe, dá um golpe, como se pretendeu aqui e se tentou, não conversando com o Legislativo ou com conselheiros da República, mas conversando e pedindo a lealdade e o apoio dos comandantes das Forças Armadas".
Ameaças e suspeição rejeitada
Moraes também aproveitou seu voto para rechaçar alegações de que seria suspeito ou impedido de julgar o caso por ter sido alvo de ataques pessoais.
“Todos os advogados e advogadas sabem que qualquer juiz que seja ameaçado, coagido, até agredido no curso do processo por quem está sendo investigado, ele não se torna suspeito ou impedido. (...) O Código de Processo Penal é claro: qualquer fato superveniente ligado ao processo que tente coagir ou destruir a Justiça, que ofenda o magistrado, não é causa de suspeição ou impedimento.”
"O Brasil quase voltou a uma ditadura"
Moraes ressaltou a gravidade dos atos praticados e afirmou que o Brasil esteve muito perto de perder sua democracia.
“Essa bomba [em Brasília, no Natal de 2022] não explodiu por pouco. Acarretaria na morte de centenas de pessoas. (...) O Brasil quase voltou a uma ditadura porque uma organização criminosa liderada por Jair Bolsonaro não sabe que é um princípio democrático e republicano a alternância de poder. Quem perde vira oposição e disputa as próximas eleições. Quem ganha assume e tenta se manter pelo voto popular, não utilizando órgãos do Estado, não com bombas em aeroportos, não com depredação das sedes dos Três Poderes".
O julgamento
Além de Bolsonaro, também são réus Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira, Anderson Torres, Walter Braga Netto, Alexandre Ramagem, Almir Garnier e Mauro Cid — este último colaborador das investigações.
A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), assinada por Paulo Gonet, pede a condenação de todos, com penas que podem ultrapassar 30 anos de prisão. O julgamento está em curso na Primeira Turma do STF, composta por Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Flávio Dino.