Não se terceiriza um golpe. Um golpe pressupõe um titular. O dono da bola. O manda chuva! Ninguém dá golpe para transferir o poder para o amigo do peito, como quem transfere aquele casaco preferido que ele tanto elogia. O posto cobiçado num golpe é como escova de dentes. Intransferível.
Isto posto, não é crível que o senhor Silvinei Vasques, o ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) determinasse uma megaoperação de Norte a Sul do país, com dispendioso pagamento de horas extras a 2725 agentes rodoviários em esquema de “Indenização pela Flexibilização Voluntária (IFR)”, espécie de bônus pago aos policiais que se apresentam para trabalhar durante suas folgas.
Isto, graças à “motivação” injetada pelo diretor, ao dizer em reunião com eles, entre os dois turnos da eleição de 2022, que os policiais tinham de se posicionar, pois a PRF iria “tomar um lado”. O número de voluntários trabalhando “pela causa” foi considerável. E que causa era essa? A reeleição de Bolsonaro, claro.
Apenas para deixar claro, Silvinei era subordinado de Anderson Torres - estava no guarda-chuva do Ministério da Justiça -, cujo titular foi em pessoa à Bahia, tratar de convocar a Polícia Federal para aderir à “operação empata” (nome dado por mim, é bom que se diga).
Na representação que deu sustentação à determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e resultou na prisão de Silvinei Vasques, o ministro argumenta que a medida era necessária para evitar uma "combinação de versões" entre servidores da PRF e uma "reverência" ao antigo chefe.
A reverência, tem motivação conhecida. O ex-diretor foi indicado ao cargo pelo “filho do homem”, Flávio Bolsonaro. O que por si lhe dava projeção.
Some-se a isso a proximidade com o ministro Anderson Torres, suspeito de ser o mentor da operação organizada pela PRF, para o dia da votação do segundo turno das eleições presidenciais, visando a impedir ou retardar a chegada dos eleitores do candidato Luiz Inácio Lula da Silva às urnas, dentro do horário previsto para o pleito. A ideia era simular inspeções nos ônibus, que na véspera o TSE havia determinado, transportassem gratuitamente os eleitores.
Planilha encontrada com a subsecretária de Inteligência, do ministro Torres, Marília Alencar, detalhava os municípios do Nordeste onde Lula tinha mais de 75% de votos, e onde “coincidentemente” as operações da Polícia Rodoviária Federal dedicou maior número de equipes para executar a operação.
A PF ouviu hoje, numa estratégia para barrar a proteção ao ex-chefe, Silvinei Vasques, 49 funcionários da PRF ao mesmo tempo. Assim, eles não puderam combinar versões.
De acordo com informações repassadas pela PF ao jornal O Globo, mesmo com todos os fatos subsequentes que foram a público, e obviamente sabendo que a análise do conteúdo de seus celulares os desmentiria, podendo procurar a Polícia Federal para se retratar ou colaborar com as investigações, a maioria optou “por suportar eventuais ações adversas” a relatar as determinações ilegais de Silvinei Vasques. Mas, como é muito difícil manter o controle sobre um número tão grande de pessoas, nem todas comprometidas em “tomar lado”, dois deles foram levados a confirmar reunião com Vasques, em que foi dada a orientação para um “policiamento direcionado”.
Isto, depois que provas foram encontradas no telefone celular de Adiel Pereira Alcântara, apreendido pela PF. Na época ele desempenhava a função de coordenador de análise de inteligência da PRF.
Em uma conversa entre Adiel e um de seus subordinados da PRF, Paulo César Botti Alves Júnior, o então coordenador, disse que Silvinei teria falado “muita merda” durante uma reunião de gestão no dia 19 de outubro de 2022 e determinado “policiamento direcionado”.
A reviravolta na vida de “aposentado” da PRF, de Silvinei Vasques, aconteceu no dia seguinte ao desastrado depoimento do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, à CPMI do 8 de janeiro, em que não soube explicar a origem do documento conhecido como “a minuta do golpe”. Tampouco porque não tomou a atitude de reprogramar a sua viagem à Disney, para a segunda feira - data oficial das suas férias - mesmo tendo recebido, em mãos, da mesma Marília Alencar, subsecretária de Inteligência, informe com alerta classificado por ela de “alarmante”, sobre a chegada de um batalhão de CACs e cerca de três mil ônibus a Brasília. Os ônibus, segundo o alerta, se concentraram próximos ao acampamento dos golpistas, em frente ao quartel do Exército, embora houvesse proibição para permanecer naquele espaço.
Os episódios, o do depoimento de Torres e a prisão de Vasques, ligam os dois personagens, que por sua vez estabelece uma linha horizontal na direção de Jair Bolsonaro, o (por enquanto), inelegível. A fila andou. Depois de se sentarem frente a senadores e deputados para desfiar as suas incoerências e mentiras, próximo passo é chamar o principal interessado nas ações terroristas e atentatórias ao estado democrático de direito, e inquiri-lo com eficiência e imparcialidade. Agora, mais do que nunca, diante do acúmulo de evidências, é preciso que ele e os militares do seu entorno respondam à CPMI perguntas que se avolumaram com os hiatos deixados por Anderson Torres e Silvinei Vasques. Como cantou o Madeirada: “Tá na hora do Jair... Tá na hora do Jair”...