“Luz, câmera, ação!

Josimar, o cineasta e a atriz Zezé Mota no recente Salipi em Teresina - PI

Por Jean Carlos Gonçalves

A ordem natural se encarrega de montar cenário.

No horizonte, a aurora se anuncia com os primeiros raios solares, que incidem sobre as copas das mais robustas árvores da Mata. Os pássaros iniciam timidamente seus gorjeios, mas que gradativamente intensificam a melodiosa orquestra matinal daquele bucólico vilarejo dos idos anos 1970. O galo no terreiro, imponente, faz despertar quem, abraçado pela noite, adormecera com o ávido desejo de no seguinte dia, cedo despertar para os seus sonhos mirar.

Daí a natureza passa a dividir espaço com a criatividade da ação efetiva de quem de pé se coloca para ajudar a tecer o enredo da vida social dos que habitam os rincões da não reconhecida Pré-Amazônia maranhense.

Um despertar, uma rede recolhida, uma lâmina que rigidamente se faz afiar, um café com aroma e sabor de ternura, um botão que ao girar em sentido horário, leva ao mundo de sonho e fascínio, pelas ondas sonoras das AM e FM, especialmente, da Rádio Nacional de Brasília-DF e da Rádio Pioneira de Teresina-PI."

Com toda modéstia, a descrição acima pode até ser confundida com o início de uma obra literária, mas se não foi a forma mais original, foi a que com base na imagem que construí e escolhi para apresentar-lhes um dos mais admiráveis protagonistas do centro-maranhense que tive o privilégio de conhecer nos últimos tempos: Josimar Gonçalves, o Cineasta.

Natural do Povoado Socorro, distrito do município de Governador Eugênio Barros-MA, o filho de Manoel e Zulmira, nasceu em 06 de agosto de 1971. O penúltimo dos cinco filhos do casal de retirantes cearenses, Josimar, desde o início de sua infância, esteve mergulhado num universo de dificuldades, próprias do período e das condições da região, mas também imerso num mundo de fantasia e imaginação aguçadas pela sensibilidade de quem ouvia a programação das principais estações de rádio, pelas quais acompanhava, principalmente, os programas com participação de ouvintes por meio de cartas escritas e das novelas. Pois na época o lugar não contava sequer com energia elétrica e as imagens ainda que em preto e branco dos televisores, só chegariam anos mais tarde.

O contato com o rádio foi primordial para que o menino sonhasse em ser ator, roteirista, editor e produtor de novelas. Assim cresceu, imbuído da vontade de representar, de dirigir, de produzir, de criar, de fazer dramaturgia, cinema. Esse desejo manifesto, que logo se tornou notório na comunidade local, intensificou ainda mais quando em 1983 chegou ao povoado a primeira televisão, pela qual pode assistir e reconstituir diariamente a desenvoltura dos grandes atores da teledramaturgia da TV Globo, até hoje maior produtora do gênero do país.

Ainda na década de 1980, quando contava apenas 9 anos, passou a ter contato com a fotografia. Experiências oportunizadas por um irmão mais velho que comprara uma câmera, e então ambos passaram a ter uma parceria, prestando serviços em eventos no povoado e região, Quando seu irmão adulto não podia comparecer aos batizados, casamentos e festas de aniversário, o menino Josimar entrava em cena e, assim, passou a atuar e ganhar a vida como fotógrafo, mas sem nunca perder o foco de seu sonho de criança, de ir muito mais além.

Nos idos de 1990, o jovem sonhador, acostumado com as matas e babaçuais da Mata do Japão, se depara com a selva de pedras de São Paulo-SP e com todas as dificuldades de uma metrópole, especialmente, para um filho de Nordeste brasileiro, que via os melhores empregos serem ocupados por quem detinha um alto grau de escolarização ou uma forte rede de amizade. Como não era o seu caso, depois de um tempo desempregado, trabalhou como faxineiro, porteiro. Contudo, durante seu vivencia na Terra da Garoa, teve condições de comprar uma câmera Kodak, com a qual passou a exercitar ainda mais o ofício, bem como de participar cursos e palestras sobre fotografia, nas quais adquiriu mais conhecimentos na área.

Josimar, o cineasta e o diretor de cinema João Moreira Sales no recente Salipi em Teresina - PI


No ano de 2000, devido a problemas de saúde de sua mãe retornara ao Socorro, onde continuou fazendo fotografias. Mas foi com uma câmera digital de 8 megapixel adquirida em 2007, que fez seu primeiro filme – “É de mermo mermo”, em 2010. Na época, por falta de conhecimento técnico, o trabalho, não teve qualquer edição. No entanto, o espírito determinado e perseverante do futuro cineasta só aumentava.

Em 2011, como adquiriu uma filmadora Mini VD, com a qual realizou o segundo trabalho, Trumento I, ainda sem edição das imagens.

Josimar, o cineasta e o poeta maranhense Salgado Maranhão  no recente Salipi em Teresina - PI

Entretanto, em 2012, para lançar o Trumento II, buscou apoio técnico de profissionais do Estúdio Layson da cidade de Presidente Dutra-MA, que realizou uma edição de ótima qualidade para os padrões de então, sendo bastante elogiado. Eufórico e empolgado com a repercussão positiva, Josimar compra seu primeiro computador e mesmo sem qualquer conhecimento básico em informática, passou a se familiarizar com os hardwares e softwares, especialmente, programas de edição de vídeos e imagens.

Também foi em 2012 que comprou outra filmadora Full HD, que deu vida ao enredo de Zé Budega (2013), desta vez, lançando mão de seus conhecimentos em produção e edição. No ano seguinte, deu continuidade com O Prefeito Zé Budega e, em 2017, com o Trumento do Pardal.

Quando instalou internet em sua residência no ano de 2013, passou a pesquisar com muito mais afinco sobre mídias, técnicas e tecnologias relacionadas a produção e edições, além de outras temáticas relacionadas. Portanto, um autodidata forjado pelo sonho de ser e de valorizar a cultura.

Naquele período, o menino sonhador já se fizera um homem mais abalizado nos meandros da vida e, de modo algum, o esposo de Marly Costa e o pai de Ernesto e Olga, deve ser reduzido a alguém que simplesmente acompanhou e se tornou produto do universo midiático configurado pelas novas tecnologias do mundo contemporâneo mais recente. O nosso Cineasta da Mata do Japão é, sobretudo, um humanista, que transpira cultura. Trata-se de um nativista genuíno; um ativista cultural; um restaurador de documentos históricos; um investigador nato do passado de sua gente e que diuturnamente, ao longo de sua trajetória de vida, tem contribuído para o resgate, o arquivamento e a conservação da memória local e de toda e qualquer forma manifestação da cultura popular. E é justamente, a partir dessa matéria: das histórias, das tradições, dos contos pitorescos, dos costumes, da linguagem simples e peculiar do povo sofrido, das manifestações e ritos, dos sujeitos históricos que protagonizaram/protagonizam a vida do povoado, município e região, que Josimar Gonçalves, se fez – o Cineasta.

Sua saga como produtor cinematográfico se iniciou com“É mermo mermo” (2010); posteriormente lançou O TrumentoI (2011); O TrumentoII (2012); Zé Budega (2013); O Prefeito Zé Budega (2014); O Trumento do Pardal (2017). Rio Itapecuro a revolta de dona Zefa (2022)

Em suas produções, apesar de suas criativas doses de ficção, o Cineasta procura, fundamentalmente, se basear em fatos reais vivenciados pela comunidade para dar vida a personagens e roteiros, regados com muito humor. Além de abordar problemáticas vivenciadas pela comunidade ante aos desafios do mundo contemporâneo e de possibilitar, por meio de uma linguagem simples e apoio voluntarioso da comunidade do povoado do Socorro, uma análise crítica das demandas e das relações sociais na atualidade, embora com parcos recursos financeiros e materiais.

Apesar das dificuldades, da falta de apoio financeiro e institucional, seu trabalho tem ultrapassado as fronteiras do Maranhão e até do país. Suas produções foram expostas em vários municípios maranhenses, além de unidades da federação, a exemplo do estado de São Paulo, no qual seus filmes estiveram em projeçôes por 30 dias em 2013, sendo exibido no Centro Tradicional Nordestino, no bairro do Limão, zona norte, que tem como público principal, a comunidade nordestina naquele estado, período em que seu trabalho foi assistido por mais de 20 mil pessoas. Além disso, seu canal no You Tube já contabiliza mais de 13 milhões e mais de 35 mil inscritos (link, no final do texto). Uma proeza de quem conta com uma câmera e um elenco voluntário constituído por membros da própria comunidade. Pessoas simples, humildes, mas que devido ao carisma e persuasão do abnegado Cineasta, abraçaram a ideia de representar e produzir cultura.

Crianças no bucólico Povoado do Socorro.

Diante do exposto, é evidente a importância de Josimar Gonçalves para a cultura do município de Governador Eugênio Barros e região, e, portanto, muito digno e merecedor de respeito e reconhecimento, posto que, seus trabalhos são expressão de seu profundo conhecimento da vida simples e rica de nosso povo, de sua sensibilidade, criatividade e desejo sincero de fazer – de valorizar sua gente.

A vida simples, o cotidiano, as atividades laboriosas são registradas pelas lente de Josimar Gonçalves.

Assim sendo, o Blog Ecos de Tuntum reverencia e apresenta esse discípulo dos irmãos Lumière, desejando-lhe sinceros votos de felicidade e sucesso nos futuros trabalhos em prol da cultura do distrito do Socorro, Eugênio Barros e do centro-maranhense. Logo, não há exagero em dizer que Josimar Gonçalves, o Cineasta, personifica muito bem o sentido da frase: Luz, câmera, ação!

Claquete de cinema. Apenas ilustrativo.

Uma vez que detém:

A luz do conhecimento buscado, colhido, construído da cultura popular;

A câmera que focaliza e apresenta a essência dos ritos e manifestações da gente deste sertão;

A ação de quem com o claquete e a “batuta” da ousadia, orquestra cenários encantadores, que ecoam as antes silenciadas vozes e eternizam os ignorados protagonistas de outrora desta parte do Maranhão.

Então...

Atenção!

LUZ, CÂMERA, AÇÃO!!!


Jean Carlos Gonçalves é Professor de História da Rede de Ensino do Maranhão e editor do Blog Ecos de Tuntum (https://ecosdetuntum.blogspot.com).