Antes de se tornar advogado, Pereira trabalhou em "bicos" diversos, como lavador de carro, entregador e chapeiro de lanchonetes. O maranhense conta que além da vontade de conquistar uma vida digna, o desejo de seguir na área jurídica veio acompanhado de momentos desagradáveis, que não estavam em seus planos. Ele lembra um episódio injusto e de discriminação que sofreu. "Estava em um supermercado quando dois seguranças me abordaram achando que eu estava roubando. Eles me levaram para o banheiro, e, mesmo depois de mostrar a nota fiscal da compra, me intimidaram e me mandaram tirar a roupa", recorda.
Depois da humilhação e do constrangimento, Pereira decidiu registrar um boletim de ocorrência em uma delegacia, mas foi surpreendido com a informação de que a polícia não poderia fazer nada pela simples falta de agentes. Foi este principal motivo que o levou a voltar a estudar, aos 30 anos, concluindo o ensino regular em 2018 por meio do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja).
Com o dinheiro que conseguiu economizar trabalhando como entregador, Pereira começou a pagar uma faculdade particular de direito. "Trabalhava dia e noite, em dois empregos. Deixei depois o turno da noite e passei a estudar nesse horário", lembra.Desafios na faculdade
Ainda estudante de direito, Pereira fez o exame da OAB no 9º semestre, sendo aprovado na primeira tentativa. Para estudar e se preparar para o exame, ele baixava arquivos de provas anteriores e respondia sempre quando tinha tempo. "Cheguei a resolver as treze últimas provas da OAB. Consegui 51 pontos, 11 a mais do que o necessário para ser aprovado", afirmou. "Veio, então, o sentimento é de conquista, de que tudo valeu a pena."
Pereira conta, ainda, que além de estudar provas anteriores, "devorava" todas as indicações de leitura dos professores, procurava assistir vídeos no YouTube, baixava as aulas e ouvia as lições no fone de ouvido durante as entregas. "Chegava mais cedo no trabalho e estudava por lá mesmo. De noite, quando saía, ia direto para a faculdade. Colava anotações em todos os lugares da casa. Minhas notas eram baixas no início, mas não reprovei nem uma única vez. Com o passar do tempo, meu rendimento e minhas notas foram aumentando", disse.
Vindo de família humilde — a mãe analfabeta e o pai semianalfabeto, hoje falecido —, Pereira tem três irmãos. Quando tinha sete anos, os pais se separaram e ele viajou para o Pará com a mãe e os irmãos. Por não ter um bom relacionamento nem com o padrasto nem com a madrasta, viajava com frequência entre o Pará e o Maranhão. "Morei também com a minha avó e com a minha tia e nesse vai e vem constante os estudos ficaram de lado", recorda.
O estudante lembra, ainda, que, aos 12 anos se aborreceu com a situação e, em uma das viagens entre os dois estados, decidiu desembarcar em Teresina, decidido a se estabelecer por lá. Na capital piauiense, no entanto, passou a viver em situação de rua e conviveu com a fome e o frio das madrugadas. "Cheguei a comer coisas do lixo. Quando conseguia algum bico era em troca de comida. Foi a pior época da minha vida", recorda.
Aos 13 anos Pereira decidiu seguir para Fortaleza. Na capital cearense, foi acolhido por Nonato, dono rendado de um lava a jato, onde trabalhou por três anos. Depois de juntar dinheiro por um tempo, conseguiu alugar uma casa, comprar uma bicicleta e trabalhar como entregador. "Nonato foi muito importante para mim. Depois que ele viajou para Juazeiro do Norte, perdi o contato com ele", lamenta.
Em 2009, quando trabalhava em uma lanchonete, Pereira conheceu Juliana Ferreira, com quem começou a se relacionar. No ano seguinte, se casaram. "No início, meu sogro não aceitava a nossa relação. Dizia que eu era forasteiro, desconhecido, e não queria que ela continuasse comigo", lembra. Sérgio incentivou a esposa a continuar com os estudos e ajudou a concluir o curso técnico de enfermagem, a se graduar na área e ir além, chegando à especialização. "Com isso, meu sogro percebeu que nossa relação era séria e nos reaproximamos", conta. Hoje, Sérgio e Juliana têm um filho de sete anos.
Ramos apresentou o trabalho de conclusão de curso na terça-feira (06/12) e a previsão é que a colação de grau ocorra em fevereiro de 2023. Dessa forma, poderá festejar a conquista da cobiçada carteira da OAB. Depois que sua história ganhou a mídia, ele passou a receber propostas de trabalho e de especialização. "Pretendo seguir na área trabalhista, defender os direitos dos entregadores e fazer uma pós-graduação na área", revela.
O estudante pobre que saiu do ensino médio e chegou à OAB em apenas seis anos, reforça que o que mais o deixa alegre é servir de inspiração para as pessoas. "Mesmo sem teto, sem família por perto, com fome e frio, consegui chegar até onde cheguei. É muito gratificante. Faria tudo de novo", conclui, emocionado.