Para o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), mais grave que a inovação do STF sobre prisão em segunda instância são as prisões preventivas; "Me inquieta muito mais, por exemplo, a reinterpretação acerca da prisão preventiva, que nunca teve a largueza que tem hoje no Brasil. Pelo contrário, fui juiz por 12 anos e nesse período me lembro de ter decretado quatro ou cinco prisões preventivas", afirmou; "Estamos enfraquecimento de garantias e uma exacerbação de subjetividade que é uma tendência bastante perigosa”
Por Daiane Santos, Portal Vermelho - O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), falou sobre os efeitos das decisões judiciais na vida política do país. Na entrevista ao Portal Vermelho – que aconteceu dia 10 de outubro, pouco depois da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 5 de outubro, que aprovou a prisão em segunda instância antes do trânsito em julgado –, Flávio Dino ressaltou que mais grave que a inovação do STF sobre prisão em segunda instância são as prisões preventivas.
“Me inquieta muito mais, por exemplo, a reinterpretação acerca da prisão preventiva, que nunca teve a largueza que tem hoje no Brasil. Pelo contrário, fui juiz por 12 anos e nesse período me lembro de ter decretado quatro ou cinco prisões preventivas”, afirmou o governador.
Em artigo publicado na CartaCapital nesta quarta-feira (19), o jurista e professor de direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Serrano, também abordou a questão das prisões preventivas no pais, diante da decisão do juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato em primeira instância, de decretar a prisão preventiva do ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
“Prisões não devem ser feitas de forma ‘pedagógica’, pelo clamor social, mas sim na forma da lei. Hoje é o Cunha. Amanhã poderá ser qualquer um de nós”, afirmou Serrano.
Direito excepcional é a derrogação do direito
Flávio Dino, que é juiz federal, também afirma que as prisões preventivas se tornaram arbitrárias. Ele foi aprovado em primeiro lugar no concurso público para juiz federal, em 1994, cargo que exerceu até 2006, quando deixou a carreira para entrar na política. Foi presidente da Associação Nacional de Juízes Federais (Ajufe) e secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“Historicamente, a interpretação mais adequada ao nosso tempo era de que a prisão, antes de qualquer julgamento, era excepcionalíssima. Hoje, vemos o contrário. A prisão preventiva está sendo banalizada”, frisou.
Para ele, a decisão do STF sobre a prisão em segunda instância se insere num contexto preocupante. “E questões como essa da prisão preventiva também são bastante inovadoras. Na verdade, há uma ideia de uma espécie de ‘direito excepcional’. Ora, um direito excepcional é a negação do próprio sentido da existência do direito e da sua legitimidade. O direito, como instância da sociedade, só se legitima na medida em que ele tenha atributos de impessoalidade, generalidade, previsibilidade. Se admitir que há interpretações dispares de acordo com as suas simpatias ou antipatias contra A, B ou C, na verdade, está eliminando a essência e a legitimidade última dessa instância social ou desse sistema de poder chamado direito”, destacou Flávio Dino, numa clara referência ao juiz Sérgio Moro, que para justificar as prisões preventivas disse recentemente que “estamos em tempos excepcionais”.
“É isso que estamos assistindo. O enfraquecimento de garantias e uma exacerbação de subjetividade que é uma tendência bastante perigosa”, acrescentou o governador maranhense.
De acordo com ele, essa “excepcionalidade” só se explica pelo contexto social e político que tem legitimado essas leituras que se contrapõem à essência do direito brasileiro.
Aversão à política
“Acho que algo muito menos do campo jurídico e muito mais do campo político. Só se consegue entender certos processos no mundo do direito se não for exatamente a fonte. O contexto social, histórico e cultural é o que tem levado a essas reinterpretações. Por isso, acho que é algo passageiro. Paradoxalmente, tenho uma visão crítica, porém otimista. Esperançosa de que isso mude adiante. O terrível é que a mudança seja irreversível para muitos daqueles atingidos por esse processo”, afirmou.
E completa: “A formação de um ambiente ideológico levou ao desequilíbrio da dualidade entre justiça versus velocidade. É como se nós entrássemos numa era em que o vale-tudo é legítimo, que os fins justificam os meios, negando a própria razão de ser do direito que é exatamente evitar que os fins justifiquem os meios porque, caso contrário, é a lei da selva. Temos justamente normas processuais para que não valha a lei da selva, para que não haja o arbítrio”.
Flávio Dino afirma, categoricamente, que o discurso ideológico que sustenta a legitimidade do direito “foi derrogado por esse proclamado ‘direito excepcional’”, defendido por Moro.
“É algo que me espanta. Eu, particularmente, não imaginava assistir a esse tipo de debate e acho que é a questão mais aguda hoje no campo do debate democrático. Como se dá a relação entre a política, o sistema de justiça e isso passa por debates no campo jurídico, mas, sobretudo, na requalificação da política, porque o que tornou possível tudo isso foi a anulação da capacidade da política servir de freios e contrapeso à exorbitância do poder do subsistema jurídico”, salientou.
“Isso nada mais é do que a realização daquilo que Aristóteles disse em Política, ou o que os liberais escreveram no Segundo Tratado de Direito Civil, sobre a separação de poder, ou o que disseram os federalistas: o poder é abusivo por natureza e vai onde encontra limites; os homens não são governados por anjos, por isso cabe controlá-los... É exatamente isso, os juízes não são anjos. Se não tem teto, se não tem limites e ninguém controla ninguém, cada um faz o seu direito ad hoc [para uma finalidade], o direito excepcional, reinterpreta, reescreve”, ressalta Flávio Dino.
Sobre a decisão do Supremo em relação à prisão em segunda instância, Flávio Dino disse que apesar de ser uma decisão escassa, 6 votos a 5, a medida buscou atender a um clamor social do momento, mas que certamente será revertido, acredita.
“O sistema processual não é um artefato metafísico. É cultural, histórico, datado. Ele sempre lida com uma dualidade: o equilíbrio entre a velocidade e justiça. Sempre se interpreta os institutos processuais buscando ou mais velocidade ou mais justiça. O que me parecer que está claro é que no Brasil, atualmente, há um desbalanceamento desses vetores que em nome do quesito velocidade está se sacrificando o quesito justiça material, ou seja, a qualidade das decisões, por uma série de razões – algumas mais de fundo –, relacionada a esse complexo valorativo da chamada ‘civilização do espetáculo’, que privilegia o instantâneo, que é superficial. E de outro, em razão de uma conjuntura que, aparentemente, tudo se justifica no combate à impunidade”, explica.
E conclui: “Na medida em que a política perde a sua legitimidade, a sua respeitabilidade ao ponto do prefeito eleito de uma das principais cidades do mundo se dizer contrário à política, fora da política, externo à política e que tem horror à política, mostra que essa ideia de que um poder controla o outro se perdeu. Ora, se perde, quem está com a bola no pé se sente dono do jogo e começa a fazer as suas próprias regras”.