Ata da 1ª Assembleia Geral Extraordinária das Almas cujos corpos estão enterrados nos cemitérios da cidade de Tuntum/MA



Por João Batista Rodrigues de Andrade

Aos vinte e três dias do mês de outubro de dois mil e dezesseis, às 11h00, reuniram-se no Cemitério da Aroeira, em Tuntum, as almas cujos restos mortais estão sepultados no Cemitério da Aroeira, verificado o quórum necessário, observou-se a sua regularidade na proporção de 2/3 de todas as almas, de imediato a Comissão Organizadora da presente Assembleia, que fora encabeçada pelo mortal João Batista Rodrigues de Andrade, eventualmente de passagem pela cidade, solicitou a todos que tomassem seus lugares por um momento até que a Comissão deliberasse sobre a quem tocaria a direção dos trabalhos etc. Confabularam-se os presentes e à unanimidade foi eleito para presidir o ato a ilustre alma de Júlio Dantas, que em vida terrena era dado ao exercício da advocacia na condição de prático, e sem objeção foi escolhido a João Batista Rodrigues de Andrade para secretariar – ad hoc - os trabalhos, mais em razão de ser mortal e obrigar-se, nesta condição, à publicação e divulgação da ata desta Assembleia. Incontinenti tomou assento à mesa a ínclita alma de Júlio Dantas, a qual, de pronto, saudou a todos com salves de boas vindas, em especial às almas femininas, dizendo ser imensa a satisfação de vê-las neste evento, acrescentando: - “pudéssemos reencarnar simultaneamente, o meu desejo é(ra) de conviver novamente na terra com todos vocês, tal foi o prazer, senão a honra e o privilégio de ter logrado compartilhar do seu convívio e morar nesta cidade”, no que foi aplaudido com salvas de apoio. A seguir a Ilustrada presidência fez um retrospecto da vida terrena do seu tempo e até nossos dias, tecendo comentários acerca do progresso da cidade e das pessoas, familiar e pessoalmente. Sustentou que o avanço do progresso tem diminuído substancialmente os valores morais e sociais, e os costumes estão em franca decadência, todavia, há muito trabalho no plano espiritual para um novo rearranjo na história da humanidade, mas que, infelizmente, isso demandará muito tempo, seja porque o homem tem insistido em achar civilizações alienígenas, enquanto parte substancial da humanidade perece por doenças e guerras, seja porque a ganância pessoal de 1% da raça humana detenha metade das riquezas da Terra. Esse tema, disse a o ilustre Júlio Dantas, tem sido debatido no plano espiritual, como é do conhecimento de todos os presentes. Pediu, de inopino, a palavra, a ilustre alma de Francisco Lucas para observar que o objeto da Assembleia Geral devia cingir-se às questões mais próximas das aflições de todos, motivo pelo qual estão aqui, isto é, do Cemitério da Aroeira e dos demais da cidade, no que objetou Paulo Andrade para dizer que, conquanto seja o tema muito específico, nada os impedia de tratar de assuntos diversos, já que muito raramente as almas são autorizadas a descer ao Plano da Terra para reuniões desta natureza, e que isso não estava proibido à ocasião da autorização celestial para este evento. Júlio Dantas retomou a palavra para esclarecer que Paulo Andrade estava prenhe de razão, e por isso mesmo a Assembleia deve ser aberta a debates de temas diversos, mas que inicialmente seria de bom alvitre tratarem da questão afeta aos cemitérios, no que foi secundado por Pedro Feiticeiro, instante em que houve uivos de reprovação à fala desta alma, contudo, a presidência esclareceu que todos os presentes estão amparados por Licença Espiritual e que aqui, sem distinção de raça, cor e religião e sobretudo dos antecedentes sociais pretéritos ou carnais. Todos são iguais e devem ser tratados com respeito e dignidade, pelo que aplaudiu a alma de José do Cateruba que, aliás, foi mais longe: - “somos todos espíritos e quando estivemos na terra, caminhávamos por lugares sombrios e desconhecidos, corremos para o amor e para a guerra, fomos felizes ou até mesmo sofremos em demasia, fomos pais e mães maravilhosos, trabalhávamos de sol a sol, e um erro de um ou de outro não era de se dar importância, já que todos nós tínhamos a faculdade de escolher, de acertar ou de errar, e que isso não dizia respeito às almas, ao menos por ora, já que temos um Espírito de Luz que a todos guia”. Muito bem! – acudiu Alípio Coelho. Manoel Borges pediu a palavra para dizer que - “a igualdade espiritual nos propicia um equilíbrio suave, ainda que em vida terrena tivéssemos diferenças individuais em todos os sentidos e que isto era também uma forma que Deus nos dava para estimular o crescimento pessoal”. Francisco Antônio Andrade (Padim Velho) alertou, em à parte concedido por Manoel Borges, que, - “sendo um dos mais antigos espíritos (nasceu em 1873), desejava dizer que esta Assembleia é um brinde celestial para todos, porquanto possibilite o encontro de muitas gerações, fato que engrandece os espíritos e faculta a todos a pedidos de desculpas e concessão de perdão a quem desencarnara aborrecido ou intrigado por questiúnculas e mesquinhez”. Nesse passo e de imediato, abraçaram-se muitos espíritos, tal como Alexandre Andrade e Vicente Andrade, numa festa de alegria e remissão das culpas, instante em que a presidência da Assembleia resolveu conceder um tempo de 15 minutos para que todos pudessem lavar suas almas pela cordialidade do perdão de cada um ao seu desafeto em qualquer sentido. “Muito bem, senhor presidente”, disse ao longe Chico Tavares enquanto abraçava seu cônjuge Josefa Andrade. Um olhar no horizonte da Assembleia via-se Luís Gonzaga, Ariston Léda e Edésio Fialho em risos de alegria incontida; José Preto, José Martins, João Pinheiro, D. Divina, Raimundo Dó, Antônio Andrade, Matilde, Tinhô, Mãe Mariquinha, José Andrade (Alexandre) e José Andrade (Joaquim), Estêvão Borges, Sindônia, Abílio Carro, José Uruçu, Oscar Uruçu, Antônio Barata, Cateruba e mais uma centena de almas, desfilavam por entre si, para cumprimentos e abraços saudosos, escusas e perdão das culpas. Com a palavra novamente Júlio Dantas que disse: - “não é sempre ou, aliás, quase nunca isso acontece. Esse privilégio ficará na memória espiritual de cada um de nós e será lembrado sempre como um presente de Deus a essa comunidade que habitou esta cidade de Tuntum e que todos daqui sairão fortalecidos pela amizade e camaradagem agora reunificadas e lavadas pela concessão mútua de desculpas, de modo que esse reencontro se firmará como um marco para a nossa evolução”. Retomou aos trabalhos a ilustrada alma para fixar o ponto pelo qual vieram ao Cemitério da Aroeira em legião: o que fazer para que as autoridades públicas do município, notadamente o seu alcaide, despache no sentido de criar uma Comissão de Estudos para regularização dos cemitérios da Aroeira, da Tangerina e do Tuntum de Cima. Pois bem, inicialmente cuidou o presidente de abrir inscrições para falas de sugestão acerca do tema, com suspensão dos trabalhos por 15 minutos para o mister de as almas debaterem entre si e depois, abrir-se-iam as inscrições. Assim foi feito. Retomado os trabalhos, o primeiro inscrito foi a ilustre alma de Lino Carneiro, que sustentou ter dialogado com um grupo considerado, e qual chegou à conclusão de – “que qualquer ação no rumo de consertar, limpar e manter os cemitérios decentemente, dependia de anteprojeto de lei, de iniciativa do prefeito ou de qualquer vereador, mas que isso implicava em despesas”. Ora, retrucou a alma de Chico Engole Uma, - “dinheiro é o que não falta à prefeitura, o de que precisamos é só de uma ação firme e corajosa para zelar os cemitérios, inicialmente com a padronização dos túmulos, identificação dos restos mortais e numeração das sepulturas, além de uma administração própria para a escrituração e guarda dos objetos afetos aos cemitérios”. - Muito bem! Observou Manoel Valente. – “De fato, o Cemitério da Aroeira, vejamos, tem sepulturas não identificadas, e há famílias que construíram túmulos faraonizados, isto é, verdadeiras mansões aos seus mortos, e sem observação métrica alguma, aliás, ao deus-dará. Sepulturas que mais parecem currais para gado ou casas para cachorros (com todo respeito). É quase impossível alguém caminhar por entre túmulos sem pisar neles, e há túmulos sobre duas ou três sepulturas de mortos já desconhecidos... o que é isso? Isto é descuido e falta de zelo para com os mortos. Somos restos mortais sim, mas também somos espíritos e sentimos isto... ou acham que não voltamos ao lugar e não experimentamos vergonha disso tudo?” Diante desse quadro a ilustrada presidência resolveu unificar as sugestões e tirou uma recomendação à prefeitura de Tuntum, a qual consiste em “Sugerir a criação de uma Comissão de Estudos para a Organização, Padronização e Manutenção dos Cemitérios de Tuntum”, que será encaminhada pela imprensa eletrônica local”, a qual, de imediato, foi submetida a apreciação dos presentes, esgotados os debates do tema, e franqueada a palavra a quem dela quisesse fazer uso. Sendo certo que cerca de uma dúzia de oradores tomara a palavra para manifestar-se acerca desse encaminhamento, sobressaindo os dizeres da ilustre alma de João Velho: - “quero agradecer inicialmente a iniciativa da realização dessa Assembleia, que sei, por evidências, ter sido do mortal João Batista, que ora secretaria os trabalhos, mas e sobretudo, pela presença maciça dos conterrâneos. Para mim é uma alegria imensa ver a todos e sentir o afago dos nossos corações. No plano da realidade, é fato que precisamos ter cemitérios organizados, limpos, e que sejamos (os nossos restos) identificados pelo nome, idade e tempo de vida terrena. Creio que o encaminhamento da conclusão ou da sugestão ora sob debate, será de crucial importância para direção administrativa do Município tomar uma decisão em cuidar dos cemitérios. Ignorar essa realidade é fazer pouco caso para com os antepassados e desprezar uma certeza, como dizia Alekos Panagulis: - “Quando em pensamento reviveres os mortos/Não te esqueças que eles também viveram/Cheios de sonhos e de esperanças/Assim como os vivos de agora” (Delírio, parte, em tradução livre). Com a palavra novamente o presidente: - “senhores e senhoras, peço um minuto de silêncio em homenagem ao último morto e enterrado neste Cemitério (da Aroeira): Joanício Pinheiro Coelho, que não está conosco por razões óbvias e por todos conhecidas”. Silenciados por um minuto, a seguir a presidência esclareceu que iria pôr em votação o encaminhamento da sugestão na forma obtida acima, anotando que esta dar-se-ia de forma simbólica, mas necessária, e emendou: atenção! - “os que estão a favor permaneçam como estão; os contrários, que se manifestem”. Sem objeção a proposta foi aprovada por aclamação. Ao depois o ilustrado Júlio Dantas pediu a mim, secretário ad hoc, para dar publicidade à proposta ora aprovada, e eu, sob promessa, declarei que o faria. Sem nada mais a tratar, o presidente teceu comentários acerca da organização desta Assembleia Geral, agradeceu aos presentes pela presença encorpada das almas da cidade, pediu um minuto de oração e ao depois a declarou encerrada, e eu, João Batista Rodrigues de Andrade, lavrei a presente ata, a qual, lida, foi aprovada e vai assinada por mim, pelo presidente e por todas as almas que deste ato participaram. Nada mais.

Nota: A semelhança de nomes não é mera coincidência, mas uma forma de convivência fictícia e também uma homenagem.