O custo do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2016 será de R$ 788 milhões, o maior dos últimos cinco anos. É o que revela reportagem do Estado de São Paulo, que passou quase desapercebida esta semana, e que derruba por terra a estratégia da atual gestão do Ministério da Educação de responsabilizar suposto "rombo orçamentário" deixado pelo governo Dilma Rousseff, pelos vários desmontes que vem realizando em programas estratégicos para a educação brasileira.
Segundo a reportagem, o valor médio por candidato inscrito no Enem subiu 44% este ano, passando de R$ 63 para R$ 91. Considerados os descontes com arrecadação das inscrições, o valor per capita do Enem 2016 é de R$ 75. Em qualquer um dos casos, trata-se do maior salto de custos verificado pelo menos nos últimos cinco anos de exame.
Na tentativa de repetir a estratégia de responsabilizar a gestão anterior pelas atuais decisões de gestão, o ministro da Educação, Mendonça Filho, argumenta de que os R$ 788 milhões do Enem 2016 englobam dívidas deixadas pelo Enem do ano passado. Se quisermos ser generosos, na afirmação do ministro há, no mínimo, um erro conceitual que merece ser questionado. Afinal de contas, por que cargas d'água os pagamentos do Enem de 2015 são considerados como custo do Enem de 2016?
Se os gastos dos dois Enem foram contabilizados como sendo de um único exame, é preciso que Mendonça Filho diga para a sociedade, de forma clara e transparente, qual é a inovação metodológica adotada por sua gestão para fazer o cálculo desta maneira. Em caso negativo, o que se verifica é mais uma tentativa de se criar nova uma cortina de fumaça para confundir a sociedade e empurrar responsabilidades para a gestão anterior.
Neste ponto, a matéria da repórter Luísa Martins é esclarecedora sobre qual a estratégia adotada pelo Ministério da Educação sobre os custos do Enem: mais uma vez utilizar o governo Dilma como escudo. Só esqueceram que os valores dos novos contratos, firmados pela gestão Mendonça Filho com a gráfica e os consórcios aplicadores do Enem no valor de R$ 697 milhões, estão disponíveis no Portal da Transparência. Segundo a matéria, apenas o valor desses três contratos já ultrapassa em R$ 150 milhões, valor corrigido pela inflação, o total do custo do Enem de 2015, realizado pela gestão anterior.
Afinal, que rombo orçamentário é esse que justifica o desmonte, integral ou parcial, de programas como o Pronatec, Ciência Sem Fronteiras, Brasil Alfabetizado, Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, entre outros, mas que permite um aumento tão expressivo de gastos? Os recursos, utilizados como bode expiatório para justificar o fim dos programas educacionais, não parecem tão escassos quando verificamos que só o novo contrato com a gráfica do Enem atinge o montante empenhado de quase R$ 130 milhões.
O Ministério da Educação relaciona, ainda, os custos do Enem deste ano com o aumento no número de inscritos e a implementação de dispositivos de segurança. O aumento dos valores estaria relacionado a impressão de ficha de identificação biométrica e a compra de detectores de metais para todos os banheiros em locais onde serão aplicadas as provas.
Aos fatos. A comparação de custo por aluno já considera o tamanho do exame e a variável do número de inscritos. O cálculo é a divisão dos gastos pelo total de inscritos. Logo, se não há nenhuma mudança metodológica no cálculo, a comparação do gasto per capita comprova o aumento real no custo do Enem 2016.
Detectores de metal já são utilizados na porta dos banheiros dos locais de prova do Enem desde 2013. No ano passado, todos os locais de prova já contaram com este dispositivo de segurança. Não é uma inovação neste dispositivo de segurança que gere tamanho impacto no custo, uma vez que, a maioria dos detectores de metal já foram comprados pelo próprio Ministério da Educação.
A impressão de uma ficha adicional para identificação biométrica, que representa significativo aumento de preço no contrato com a gráfica, é prova cabal da falta de criatividade da atual gestão. O Cespe, um dos consórcios contratados para realizar o Enem de 2016, já adota a identificação biométrica em alguns exames que realiza. Bastava o Ministério da Educação adotar o mesmo critério do Cespe e reservar espaço para coleta da impressão digital dos participantes do Enem no próprio cartão de resposta do participante. Uma medida simples, que não aumentaria tanto o custo da prova.
O próprio ministro já declarou que a Lei Orçamentária Anual de 2017 prevê um aumento de 7% no orçamento da educação. O Congresso Nacional, que durante o governo Dilma protelou o quanto pode a alteração da meta do superávit fiscal para efetivar o golpe parlamentar, já aprovou nova meta, que possibilitou a devolução de R$ 4 bilhões aos cofres do Ministério da Educação.
Agora, é preciso mais transparência de gestão. Com o golpe parlamentar concretizado, não é possível que, no Ministério da Educação, desmontes por opções administrativas e ideológicas continuem a ser atribuídas à gestão anterior. Os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), com estagnação no ensino médio e não cumprimento da meta nos anos finais do fundamental, comprovam o tamanho do desafio que há pela frente na educação brasileira.
Chegou a hora de Mendonça Filho parar de culpar a gestão anterior. Com 120 dias no cargo é preciso assumir que não concorda com programas que ampliam oportunidades, especialmente para os mais pobres. Esperava-se, de alguém que conspirou para derrubar uma presidenta eleita, um pouco mais de coragem para enfrentar uma situação de ruptura democrática, na qual aqueles que já experimentaram o que é ter dignidade não aceitarão voltar para a senzala. Neste governo ioiô e ilegítimo, a educação é só mais uma vítima do golpe parlamentar que já deixa cicatrizes profundas na democracia brasileira.
DANILO MOLINA - Jornalista, foi assessor do Ministério da Educação e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) durante o governo Dilma Rousseff e servidor do Ministério durante o governo Lula.