Documento guia os objetivos de aprendizado dos alunos do ensino básico de todo o País
Mesmo com a consulta pública via internet ainda em andamento, a equipe de especialistas responsável pela elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) vem trabalhando desde janeiro na revisão do texto preliminar e deve entregar uma segunda versão mais enxuta e com pontos de integração entre as disciplinas mais destacados, sobretudo para os objetivos do ensino médio. Prevista desde 1996 pela Lei de Diretrizes e Bases, a construção de uma base para guiar os objetivos de aprendizado dos alunos do ensino básico de todo o País começou a ganhar corpo em 2014, por ser uma exigência do Plano Nacional de Educação.
A segunda versão da BNCC deve ficar pronta no início de abril para, então, ser submetida a novas consultas. Dessa vez, nada de internet: o documento revisado será avaliado por um “grupo de leitores críticos” e discutido em seminários das secretarias estaduais e da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undime). O prazo legal para que o texto seja entregue ao Conselho Nacional de Educação vai até junho.
Com o número de contribuições já tendo ultrapassado os 10 milhões, há uma certa desconfiança sobre o real aproveitamento do que está sendo sugerido pelo site oficial da Base – o prazo para pessoas ou entidades enviarem críticas ou sugestões vai até 15 de março. A professora de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Claudia Ricci, assessora e integrante do corpo de especialistas que elaboram o documento, garante que há uma metodologia para garantir que a opinião pública seja aproveitada. “Uma equipe de estatística da UnB coleta os dados do site, fazendo uma filtragem de resultados, já separando por estado, por município, por componente. E a PUC do Rio está ajudando na análise qualitativa, no que foi escrito no campo aberto do site”, afirmou.
Claudia conta que nos últimos dos dias (entre 22 e 24 de fevereiro) os especialistas de história se reuniram para mais uma rodada de acertos. “Cada um recebeu uma tarefa, vai ler uma parte das contribuições para discutirmos”, explicou. Além do material do site, os textos de todos os componentes estão sendo submetidos a “leituras críticas”, feitas por especialistas no ensino da disciplina que estão de fora do processo. “A de História foi em 27 de novembro, na Universidade de São Paulo (USP), com mais de 10 especialistas de linhas e faculdades bem diversificadas, que fizeram pareceres técnicos”, disse.
Em História, a opção de a base tentar sair de uma perspectiva eurocêntrica para valorizar mais a História do Brasil, da África e da América Latina tem sido muito criticada. O mesmo se dá na área das linguagens, que deve tratar menos de Literatura Portuguesa e aumentar o foco em Literatura Africana.
Coordenadora da área de História, Claudia enfatiza que o texto atual é preliminar e lembra que a Base não pretende ser uma lista de conteúdos a serem transmitidos, mas sim estabelecer os objetivos mínimos de aprendizagem. Ela também critica alguns dos críticos. “Estamos aproveitando as críticas e sugestões de quem leu. Na área de História há gente alegando que não se fala de Grécia antiga. Quem diz isso não leu o documento, porque a Grécia está nos objetivos do 6o ano”, afirmou.
Ainda assim, segundo documento divulgado no dia 16 pelo MEC, a revisão deve atender aos apelos de reforçar elementos da História mundial, ao “mostrar as formas de integração entre o Brasil e os processos históricos globais”. “Nossa intenção nunca foi excluir, mas sim enfatizar o estudo do País. Queremos que o estudante conheça sua história e a interface dela com outros países”, explicou Claudia. Segundo a professora da UFMG, a temporalidade histórica será reforçada e mais detalhadas nos anos iniciais, porque essa tem sido uma das principais críticas dos leitores.
Ela ressalta, porém, que para algumas das opções da Base não estão abertas a negociações. “Hoje o Ensino Médio é um mero repeteco do que se viu nos anos finais do fundamental. Na Base, o médio não será uma repetição”, afirmou.
Outro ponto que será alterado diz respeito aos textos de abertura de cada componente e sua relação com os objetivos de aprendizagem. “Em Matemática, a principal mudança deverá acontecer nos textos de apresentação que, realmente, não colaboram em nada para a compreensão da BNCC”, afirmou Marcelo Câmara, coordenador da equipe que elabora do texto da disciplina e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Mais uma vez, porém, alguns princípios do documento preliminar não estão sujeito a modificações. Em Matemática, a chamada “formação em espiral” se manterá, ainda que alvo de grande parte das críticas recebidas via portal. “A Base propõe que os conteúdos sejam revisitados e ampliados em todo o percurso escolar. Um exemplo ilustrativo foi uma participação de alguém do Ensino Médio que disse: “Vocês não sabem que o primeiro ano é função, o segundo é geometria espacial e o terceiro é geometria analítica?”. Na Base, esses três conteúdos são trabalhados em todos os anos, com níveis de aprofundamento diferentes”, explicou Câmara.
A falta de abertura para opinar sobre critérios definidores da Base é justamente uma das grandes críticas de outros especialistas em ensino e currículo. Segundo Lisete Arelaro, ex-diretora da Faculdade de Educação da USP, quem entra no portal pode opinar sobre o documento, mas não há espaço para discutir a linha mestra ou estruturação por trás dos conteúdos. Ela considera ainda que o texto é conservador e autoritário, além de conter outros problemas estruturais.
O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, no seminário Base Comum Curricular, promovido pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
Quando alguém se cadastra no site para opinar, o que aparece são opções de múltipla escolha em cada um dos objetivos, para dizer se achou relevante e se o texto está claro. Depois, se quiser, pode escrever observações de até 4 mil caracteres. De todas as maneiras, a opinião se dá sobre o corpo de um texto já pronto, algo já estruturado.
Segundo Lisete, que é presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), membro de diversas entidades que congregam pesquisadores do ensino, como Associação Nacional de Pós-Graduação e pesquisa em Educação (Anpede), há pressões e interesses norteando o trabalho que vão além da qualidade do aprendizado. “O documento está organizado por série, quando deveria ser por ciclos, e tudo já está com um código, que servirá para orientar questões das provas nacionais. Os ciclos desapareceram por causa de uma pressão internacional e de empresários do País, para eles entrarem para a educação pública, para vender material”, afirmou.
Ao ditar o que será discutido em sala, o que constará no material didático e como será a formação dos professores, explica Lisete, a Base vira uma proposta de padronização. “O Brasil já tem diretrizes curriculares, que são muito boas mas que as escolas hoje conhecem muito pouco. Deveríamos investir na discussão delas. A uniformização trazida pela é negativa, pois desconsidera que há vida inteligente dentro das escolas, vê o professor como alguém não capaz.”
Como reconhece que a promulgação da BNC é um processo inevitável, Lisete diz ter esperança de que as escolas não venham a adotá-la de fato. “Espero que o bom senso predomine, que as escolas não se subordinem. O movimento a ser feito é trazer os alunos e pais para que eles ajudem a definir em cada local os conteúdos mais interessantes”.
Reportagem de Carta Educação