Emerson Araújo
Nada importunava os
surrados ouvidos de Dionísio mais do que aquela música que, volta e
meia, eclodia nas manhãs, tardes, fim de tarde, pelos dois alto falantes
vindos da Itália e encravados nas torres gêmeas da catedral. O ofício
teria que ser cumprido, a música dormente anunciava para a cidade, as
mortes, todas as mortes, dos conhecidos ou anônimos, naturais ou
encomendadas: morte, morte. Dionísio, resoluto em sua destinação,
anunciava, com voz embargada de mesmice, o próximo enterro.
Dionísio com uma camisa de viscosa amarela, mangas longas, calça azul,
meias brancas dormitava na entrada da casa de taipa no começo do Mil
Réis. Um fio de sangue teimava em descer pelo canto da boca. Algodões
enormes enfiados nas narinas e uma mosca teimosa na testa com toques de
azeitona procurava o ouvido esquerdo para se deleitar. Poucos vizinhos,
nenhum parente próximo/distante. Dionísio, ali e agora, não pode tocar
aquela música....sua música inglória e bastarda.