Durante audiência pública nesta terça-feira (2) na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), o projeto que cria lei específica para proteção de dados pessoais foi criticado por empresas que utilizam a internet em suas atividades, como as que fazem comércio eletrônico, que trabalham com tecnologias da informação, empresas de telefonia e instituições financeiras, entre outras.
Frente às críticas e também por conta das sugestões oferecidas ao PLS 181/2014, o relator da matéria na CCJ, senador Anibal Diniz (PT-AC), anunciou que irá rever seu relatório. Ele disse ainda que apresentará requerimento para que o projeto seja analisado por outras comissões, como a Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação, Inovação e Informática (CCT).
As empresas criticaram principalmente a imprecisão do conceito de dados pessoais contido no projeto e as restrições à possibilidade de tratamento dos dados dos usuários e à publicidade na internet. Também consideraram inviável a exigência de consentimento do usuário para as diversas atividades da relação com o consumidor pela internet.
No debate, o senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) lembrou o impacto das denúncias feitas por Edward Snowden, ex-analista da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos, que revelou a prática de monitoramento de conversas de diversos chefes de Estado, inclusive de emails da presidente Dilma Rousseff com seus assessores.
— Há, sem dúvida alguma, uma preocupação com essa espionagem que é feita atualmente, descoberta, primeiro, nos Estados Unidos. É direito fundamental do cidadão, também, a privacidade, o direito de ele não ser invadido em sua privacidade — frisou o senador.
Crescimento do uso da internet
A nova lei em debate no Congresso, na opinião de Leonardo Palhares, da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, deve levar em conta que o comércio eletrônico no Brasil movimentou, em 2013, R$ 30 bilhões, com um crescimento das atividades em torno de 25% ao ano. Ele lembra que já são mais de 100 milhões de brasileiros conectados, de todas as classes sociais.
Esse crescimento, disse, se apoia em um modelo de gratuidade de acesso, mas com coleta de dados de usuários para oferta de produtos e serviços. Ele teme que uma lei com restrições aos serviços pela internet possa engessar o avanço do setor e inviabilizar esse modelo.
No mesmo sentido, Carol Conway, da Associação Brasileira da Internet (Abranet), criticou as restrições previstas no projeto para veiculação de publicidade. Ela observou que, sem liberdade para divulgar seus produtos na internet, diversas micro e pequenas empresas, que prosperaram pela oportunidade de divulgação de seu trabalho na rede, ficarão inviabilizadas.
Riscos
Já o representante da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, Leandro Vilain, apontou efeitos negativos da aplicação das regras propostas na gestão dos bancos.
— Ao estabelecer restrições no tratamento de dados e a obrigatoriedade de publicação das metodologias utilizadas pelas instituições financeiras, o projeto de lei reduz a capacidade de análise de créditos de forma acurada, impedindo a oferta mais justa a cada perfil de risco.
Ainda conforme Vilain, as novas regras propostas obrigam os bancos a tornarem públicos os modelos adotados para análise de dados dos clientes, o que, diz ele, aumentaria os riscos de fraudes no sistema. Para o executivo, o projeto excede sua pretensão e prejudica as instituições financeiras.
Na opinião de Manoel Antônio dos Santos, diretor Jurídico da Associação Brasileira de Empresas de Software, o país já dispõe de legislação suficiente para tratar a questão, como o Marco Civil da Internet, que poderia abrigar regras de proteção de dados pessoais.
Eduardo Levy Moreira, diretor do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular, concorda. Ele citou resoluções da Anatel assegurando o direito ao sigilo de dados dos usuários.
– Os dados dos clientes são mantidos em segurança e só disponibilizados quando solicitados pelas autoridades policiais - frisou.
Conceitos
Monica Steffen Rosina, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), defendeu a regulamentação da proteção de dados de usuários da internet, mas apontou, entre as fragilidades do projeto em análise na CCJ, a inconsistências de conceitos. Como exemplo, citou o conceito de dado pessoal, que inclui o endereço IP, ou seja, a identificação do terminal que está sendo utilizado pelo usuário, o que, para ela, não seria um dado pessoal.
Outro aspecto criticado foi a exigência de consentimento do usuário quanto ao uso a ser feito com os dados solicitados e sua concordância com as regras estabelecidas para o acesso a um aplicativo ou outra ferramenta que venha buscar.
Ela citou evidências mostrando que as pessoas não leem termos e condições de serviço e, se leem, não conseguem compreendê-los, por sua complexidade. Afirmou ainda que a leitura de todos esses termos tomaria muito tempo do usuário.
— Se, para cada movimento na internet, eu precisar ler, entender e consentir com aqueles termos, isso, em grande medida, inviabiliza a minha navegação — afirmou.
Proteção dos usuários
Virgílio Augusto, coordenador do Comitê Gestor da Internet (CGI), concorda que a internet é hoje uma tecnologia essencial para os cidadãos, os governos e para a economia. De outro lado, aponta o crescimento do crime cibernético, de ataques aos direitos humanos na rede, a invasão de privacidade e a espionagem.
Para conciliar os dois lados, disse, é preciso governança e um amplo debate sobre a proteção de dados pessoais, visando um ambiente seguro e confiável para o cidadão, sem inibir a inovação e o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
Em defesa da nova lei, Danilo Doneda, da Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça, apontou a demanda da sociedade brasileira por uma norma específica sobre proteção de dados pessoais.
— Há várias vantagens em se regular de forma unificada a proteção de dados. Você protege o cidadão, que passa a ter segurança sobre o que vai acontecer com os seus dados. [Também] favorece o fluxo de dados entre setores, entre players, e serve para fornecer segurança ao mercado e ao próprio Estado — afirmou.
Paulo Santarém, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), elogiou o Congresso por buscar definir normas de proteção aos dados pessoais, mas disse que o país está atrasado nessa iniciativa, afirmando que a União Europeia aprovou em 1981 uma lei com esse objetivo.
Ele também apontou fragilidades no projeto de lei e, em especial, defendeu regras mais claras para a gestão que é feita pelo Estado dos dados pessoais dos cidadãos brasileiros.
Ao agradecer as contribuições oferecidas durante a audiência pública, Anibal Diniz disse que buscará, em seu relatório, sugerir mecanismos de proteção ao cidadão sem comprometer o avanço das diversas atividades que fazem uso da internet.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)