A Lava Jato vai mirar agora figuras políticas. Cabe ao procurador-geral apresentar as denúncias para desencadear, finalmente, a fase judicial, processual
por Wálter Maierovitch/ CartaCapital
O procurador-geral da República Rodrigo Janot deve apresentar a partir de 22 de dezembro a mais aguardada das denúncias da Lava Jato |
Tomado por empréstimo da escatologia cristã, recebeu o designativo “Juízo Final” a fase mais aguda da Operação Lava Jato da Polícia Federal. Com o auxílio de delações e à luz de vultosos prejuízos financeiros enfrentados pela Petrobras, foram investigados crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de organização criminosa.
Nesta semana, diante de denúncias do Ministério Público recebidas pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, iniciaram-se dois novos processos criminais decorrentes da Operação Juízo Final. Num deles temos 25 réus acusados por atuações como representantes das nove das maiores empreiteiras do País, todas elas organizadas em cartel e para o fim de fraudar licitações, obter superfaturamentos e aditivos contratuais lesivos à Petrobras. O outro processo envolve recebimento de propinas nas negociações de dois navios com sondas para perfurações profundas em águas africanas e do Golfo do México. A mais aguardada das denúncias deverá ser apresentada na próxima semana pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e, ao que circula, deverão ser acusados deputados federais e senadores, cujos nomes são mantidos em segredo. Os parlamentares são detentores de foro por prerrogativa de função no Supremo Tribunal Federal (STF). Fala-se também em até dois governadores e, por força de conexão probatória, o foro privilegiado se deslocaria do Superior Tribunal de Justiça para o STF.
Como se nota, teremos frentes em primeira instância e no STF, com possibilidade de os não detentores de foro privilegiado trilharem três instâncias recursais: Tribunal Regional, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. Os de foro privilegiado serão julgados em instância única.
Depois de tantas informações sobre envolvimentos de políticos vamos entrar, finalmente, na fase judicial-processual, com contraditório e ampla defesa. Enfim, passar-se do inquérito sigiloso ao processo púbico e, no final, surgirá dos autos a verdade processual que, poucas vezes, não coincide com a verdade real. Nos processos, os delatores, certamente, passarão por uma instrução dura e diversas acareações.
Em jogo estará o valor probatório das delações, em especial as de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, e do doleiro Alberto Youssef, operador do esquema criminoso, repassador de propinas a partidos políticos, reciclador de capitais por seus laranjas e pelas suas empresas de fachada.
A respeito do direito premial conferido a colaboradores de Justiça, um caso muito lembrado diz respeito às delações do mafioso Tommaso Buscetta. Elas foram integralmente aceitas pela Suprema Corte de Cassação italiana dadas estarem em conformidade com as demais provas trazidas pelo Ministério Público. Por outro lado, a Justiça italiana desprezou o relato de um mafioso de sétima geração, Leonardo Messina, que sustentava ter havido um encontro dos chefões das mais poderosas máfias do planeta e isso para a celebração de uma “pax mafiosa” e, ainda, para a eleição de Totò Riina, capo di tutti i capi da Cosa Nostra siciliana, à função de CIO de todas as associações mafiosas do planeta. No sistema processual penal brasileiro, o juiz tem livre convencimento, mas precisa motivar as suas decisões, ou seja, nada de arbítrio.
A respeito ainda de delações premiadas, Matteo Renzi, presidente de turno do Conselho da União Europeia e primeiro-ministro da Itália, aposta na aprovação, pelo Parlamento italiano já na próxima semana, de um projeto de lei nascido depois da descoberta, em Roma, de uma nova associação mafiosa autóctone, a Mafia Capitale, a atuar associada a empreiteiras e políticos. No projeto de Renzi, uma investigação só deve ser encerrada quando o corrupto, candidato à delação, “devolve até o último centavo apropriado ilegalmente”. Mais ainda: o prêmio a receber pela delação deve limitar-se à redução da pena.
A matéria é polêmica e pode, por evidente, inviabilizar o instituto da delação premiada. Mas, por exemplo, é difícil acreditar que tenham Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco devolvido todos os valores desviados sem ficar com nada: Costa devolveu 26 milhões de dólares e Barusco prometeu restituir outros 100 milhões. Aí, o crime quem sabe tenha compensado, mas, sem delações, pode prevalecer a impunidade por falta de provas.