Dilma: Verdade não é revanche, mas apaziguar o povo com a história


A presidenta Dilma Rousseff se emocionou ao discursar durante a cerimônia de entrega do relatório dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), nesta quarta-feira (10), que aponta a responsabilidade de mais de 300 militares por crimes cometidos no período da ditadura. Dilma defendeu que o Brasil tem direito a saber a verdade sobre esse período, e que "a verdade não significa a busca de revanche. A verdade não precisa ser motivo para ódio ou acerto de contas".
"A verdade produz consciência, aprendizado, conhecimento e respeito. A verdade significa a oportunidade de apaziguar cada indivíduo consigo mesmo e um povo com a sua história. A verdade é uma homenagem a um Brasil que já trilha três décadas de um caminho democrático. Tornar público este relatório nesta data é um tributo a todas as mulheres e homens do mundo que lutaram pela liberdade pela democracia e, com essa luta, ajudaram a construir marcos civilizatórios e tornaram a humanidade melhor".

A presidenta, que foi presa e torturada durante a ditadura militar, demonstrou profunda emoção no discurso e com a voz embargada falou sobre os parentes das vítimas do regime que “continuam sofrendo como se eles morressem de novo, e sempre, a cada dia”. Nesse momento, foi aplaudida de pé pelos presentes. 
Luta em defesa da democracia

“Nós reconquistamos a democracia à nossa maneira. Por meio de lutas duras, por meio de sacrifícios humanos irreparáveis. Mas por meio de pactos e acordos nacionais que estão, muitos deles, traduzidos na Constituição de 1988. Assim como respeitamos e reverenciamos e sempre o faremos todos os que lutaram pela democracia, todos os que tombaram nessa luta enfrentando a truculência ilegal do Estado e nós jamais poderemos deixar de enaltecer, também reconhecemos e reverenciamos os pactos políticos que nos levaram à redemocratização”, disse Dilma.
“Quem da voz à história são os homens e mulheres livres que não tem medo de escrevê-la”, completou a presidenta. “Nós, que acreditamos na verdade, esperamos que esse relatório contribua para que fantasmas de um passado doloroso e triste não possam mais se proteger nas sombras do silêncio e da omissão", salientou. 

Para Dilma, o trabalho feito pela comissão torna “nossa democracia ainda mais forte”. Foram dois anos e sete meses de investigações e pesquisas da comissão em que 1.120 pessoas foram ouvidas e listadas 434 vítimas, entre mortos e desaparecidos. 

A audiência de entrega do relatório contou com a participação de seis membros da comissão: José Carlos Dias, José Paulo Cavalcanti Filho, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro, Pedro Dallari e Rosa Cardoso. Os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Secretaria de Direitos Humanos, Ideli Salvatti, também estavam presentes.

Continuidade

Dilma enfatizou que a conclusão das atividades da comissão não representa um ponto final nas investigações das violações de direitos humanos na ditadura. Segundo a presidenta, o Estado brasileiro vai se “debruçar” sobre o relatório, “olhar as recomendações e propostas e tirar as consequências necessárias”. A presidenta citou os trabalhos de comissões da verdade estaduais e setoriais como complementares ao trabalho do colegiado.

Criada pela Lei 12.528/2011 e instalada em maio de 2012 para examinar e esclarecer violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988, a Comissão Nacional da Verdade terá seus trabalhos encerrados no próximo dia 16. No relatório final, o grupo sugere a criação de um órgão público para dar seguimento e continuidade às ações da CNV.

Dilma também fez um agradecimento aos órgãos que colaboraram com as investigações da comissão e aos “homens e mulheres livres que relataram a verdade para a comissão”, principalmente aos parentes de vítimas e sobreviventes do período militar.

“Com a criação dessa comissão, o Brasil demonstrou a importância do conhecimento desse período para não mais deixá-lo se repetir”, afirmou Dilma. 

"O trabalho conduzido permitiu à Comissão Nacional da Verdade concluir que as graves violações de direitos humanos ocorridas no período investigado, especialmente nos 21 anos de ditadura instaurada em 1964, foram resultado de uma ação generalizada e sistemática do Estado, configurando crimes contra a humanidade", disse Pedro Dallari, um dos coordenadores da comissão.

O documento, que também será entregue aos presidentes do Senado, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal, está dividido em três volumes com 3.380 páginas. Além de descrever o trabalho feito pela comissão, apresenta uma série de conclusões e recomendações acerca dos atos de violência cometidos pelo regime militar.