É a sexta vez que a mudança é realizada nos últimos anos – FHC fez alterações em 2001 e Lula, em 2008 e 2009, e Dilma em 2011 e 2013
Em sessão que durou mais de 18 horas e terminou perto das 5h da manhã desta quinta-feira 4, o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei que altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014, permitindo a revisão da meta de resultado fiscal deste ano. Apesar da longa obstrução dos oposicionistas, o governo conseguiu manter o quórum e aprovar o projeto por votação nominal. Foram 240 votos a favor, na Câmara e 39 no Senado.
Após a aprovação do texto principal, os parlamentares rejeitaram, por votação simbólica, três destaques que propunham mudanças no projeto. O último destaque, por falta de quórum, não foi votado. Em função disso, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), marcou nova sessão para terça-feira 9, às 12h. Está pendente de votação emenda do deputado Domingos Sávio (PSDB-MG) que tenta limitar as despesas correntes discricionárias (que o governo pode escolher se executa ou não) ao montante executado no ano anterior.
O texto aprovado garante ao governo a possibilidade de usar mais que o limite atual de 67 bilhões de reais para abater despesas a fim de chegar à meta do superávit primário, fixada em 116 bilhões. O superávit primário é a economia obrigatória feita pelo governo para pagar juros da dívida.
Segundo a mudança aprovada, todos os gastos com ações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e com as desonerações tributárias concedidas neste ano poderão ser deduzidos da meta. A execução do PAC até o início de novembro soma 51,5 bilhões de reais, enquanto as desonerações, segundo a Receita Federal, estavam em 75,1 bilhões de reais até setembro. Como todas essas despesas devem subir até dezembro, o valor do desconto pode passar dos 140 bilhões de reais, mais do que o dobro do abatimento em vigor.
A sessão foi marcada por vários embates em Plenário entre governo e oposição, que obstruiu os trabalhos com todos os instrumentos regimentais possíveis. A oposição considera que a revisão da meta fiscal compromete a credibilidade da economia brasileira com investidores internacionais e entende como uma manobra para evitar que a presidenta Dilma Rousseff responda por descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Os governistas, no entanto, alegam que o projeto visa a evitar que o governo tenha que fazer cortes radicais em todas as áreas e programas para alcançar a poupança prevista inicialmente.
Para o economista Luiz Fernando de Paula, professor da Faculdade de Economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), ouvido por CartaCapital no mês passado, a mudança no cálculo do superávit primário era um "mal menor" diante da possibilidade de o governo ser obrigado e cumprir a meta "com receitas extraordinárias e uso de contabilidade criativa". "O abatimento de desonerações e investimentos do PAC me parece um 'mal menor', mas justificável perante o mal desempenho da economia brasileira, ainda que criticável, pois ex post as medidas de estímulo ao crescimento foram pouco efetivas", afirmou.
Manifestantes não entram
Um grupo de manifestantes contrário à aprovação do projeto tentou acompanhar a sessão da Câmara, mas foi impedido por determinação de Renan Calheiros (PMDB-AL). O presidente do Congresso mandou retirar as pessoas das galerias abertas ao público e, depois, barrou sua entrada ao determinar a formação de um cordão de isolamento pela Polícia Legislativa. Os manifestantes hostilizaram integrantes da base aliada, como José Sarney (PMDB-AP), e ovacionaram oposicionistas como o senador Aécio Neves (PSDB-MG), candidato derrotado ao Planalto, e o deputado Jair Bolsonaro (PTB-RJ). "Bolsonaro, guerreiro, orgulho brasileiro", gritaram os manifestantes. "Isso aqui é a ditadura do PT. Se fossem marginais do MST [Movimento dos Sem-Terra], o PT tinha colocado para dentro", disse Bolsonaro.
A oposição também criticou o fato de a liberação de emendas parlamentares – aquelas feitas pelos congressistas – terem sido embutidas na negociação política entre o Executivo e o Legislativo. Na mudança aprovada nesta quinta-feira 4, os oposicionistas criticaram a edição de um decreto (8.367/14) de liberação de recursos represados, em um total de 10 bilhões de reais, condicionados à aprovação das mudanças no cálculo do superávit primário. Segundo a oposição, o problema é que, além do condicionamento, nesses 10 bilhões de reais há 444 milhões de reais para emendas parlamentares individuais ao Orçamento de 2014.
Para o líder do governo no Congresso, senador José Pimentel (PT-CE), não se tratou de uma manobra do governo para forçar a aprovação das mudanças. Segundo Pimentel, a própria LDO obriga a publicação do decreto com o valor que está sendo liberado para custeio, no qual está inserido um percentual para as emendas parlamentares devido à regra do orçamento impositivo incluída na LDO 2014.
Lula e FHC também alteraram cálculo
A mudança na forma como o governo pode cumprir as metas de superávit primário não é novidade na legislação orçamentária. A primeira delas ocorreu em 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quando foi mudada na LDO a forma de citação do superávit: de percentual do Produto Interno Bruto (PIB) para um valor em reais. A alteração permitiu o uso de um superávit maior de estatais (10 bilhões de reais) para compensar um déficit primário nos orçamentos fiscal e da Seguridade (8 bilhões de reais a menos que a meta de 28 bilhões de reais).
Com a crise econômica mundial que começou em 2008, houve mudanças no superávit em dois anos do segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: em 2009 e 2010. Em 2009, o governo encaminhou a mudança ao Congresso com o argumento de que a LDO daquele ano, aprovada em agosto de 2008, antes de estourar a crise de liquidez nos Estados Unidos, previa um cenário macroeconômico que não se realizou no ano seguinte. A meta dos orçamentos fiscal e da Seguridade foi diminuída de 2,2% do PIB para 1,4%. Em 2010, houve a exclusão da meta para as estatais, que passou de 0,2% do PIB para zero.
No governo Dilma Rousseff, na LDO de 2011, o Congresso também zerou o superávit primário das estatais, em um total de 7,6 bilhões de reais. Em 2013, outra mudança retirou a necessidade de o governo federal compensar a meta global de superávit devido às dificuldades dos governos estaduais de cumprir sua parcela de economia. A meta exclusivamente federal continuou em 108 bilhões de reais.
CartaCapital