Por Douglas Belchior
Tenho muito orgulho da minha origem. Família pobre, migrantes das Minas Gerais para São Paulo. Trabalhadores. A ética quase religiosa da honestidade me acompanhou desde criança através do ensinamento de minha mãe e meu pai. Desde os 9 anos de idade já trabalhava para ajudar em casa. Primeiro vendi geladinho (gelinho ou chup-chup, dependendo da região do país), na passarela da Estação Ferroviária de Ferraz de Vasconcelos, na grande SP. Depois, por dois ou três anos, vendi doces em uma barraquinha estrategicamente alocada na calçada do Super Mercado Janine, na Av. Lucas Nogueira Garcês, divisa de Poá e Ferraz, de propriedade de uma família de libaneses. E é daí que tenho minha mais tenra lembrança de envolvimento com a política.
A tal barraquinha de doces era protegida por um imenso guarda sol de listras brancas e amarelas, que pela minha idade e tamanho, parecia bem maior que realmente era. Ocorre que, em 1989, por influência da minha mãe, eu já nutria uma certa simpatia pelo PT. E em meio àquela histórica disputa eleitoral, escrevi a caneta o nome de LULA nas bordas das orelhas do guarda sol. E eu me lembro, torcia pelo PT como quem torce por um gol! Mas a lembrança ficou não por isso: Sendo a família proprietária do mercado, de origem libanesa – ou síria, não sei ao certo – “torciam” por outro candidato, Paulo Salim Maluf.
Por fim, me lembro de meu pai me dando uma dura, perguntando se eu queria que fôssemos expulsos da calçada do mercadinho. A derradeira lembrança é a do braço doendo por ter passado horas apagando o nome do barbudo petista no guarda sol. E não seria essa a última vez que tentaria apagar o PT de minha vida.
Anos depois, o inevitável: iniciei minha trajetória militante e logo estava no PT, ainda há tempo das eleições de 1998. Vivi intensamente o último mandato de FHC e fui um dos milhares a chorar de emoção com a vitória de Lula em 2002.
2004 foi meu último ano como militante petista. Por conta dos desvios políticos e ideológicos do PT, o apaguei pela segunda vez do meu caminho. Em 2005 me filiei à comissão provisória do Psol, núcleo PUC-SP, onde estudava e me somei desde a coleta de assinaturas para a viabilização do partido. Acompanhei eufórico a campanha de Heloisa Helena presidenta em 2006. E no segundo turno contra Alckmin, votei Lula; Tive a honra de participar de muito perto da campanha de Plínio Sampaio e de seu vice Hamilton Assis – do movimento negro baiano – em 2010. Agora contribuí ainda com mais vigor como candidato a deputado federal por SP nestas eleições de 2014, defendendo Luciana Genro presidenta. Considero que nas três eleições o Psol cumpriu bem o seu papel, com exceção da questão racial, invisível para todos os partidos e candidatos.
Assim como no segundo turno em 2010, na eleição de Dilma contra Serra, o Psol voltou orientar sua militância a considerar o voto nulo ou voto crítico no PT. Naquele ano votei Dilma com as devidas ressalvas. E este ano, contra Aécio e o PSDB eu reafirmo meu voto e apoio crítico e com ressalvas à Dilma e ao PT.
Menos pelas qualidades do governo petista e mais pelos vícios e pelo significado real do que pode vir a ser o retorno do PSDB num momento de levante conservador como o que vivemos, não resta a meu ver, alternativa senão a postura responsável em manter o governo de Dilma.
Tal apoio, no entanto, não anulam as severas críticas à experiência petista no governo federal. Aliás, há demandas históricas da classe trabalhadora que foram simplesmente ignoradas e até combatidas pelo governo da estrela, de maneira a fazer inveja a qualquer grupo de direita.
Como militante do movimento negro, cito aqui apenas algumas das atrocidades: o endosso, promoção e investimentos em uma política de segurança pública genocida através das UPP’s, do encarceramento em massa e da matança da população negra, em especial da juventude negra; a priorização dos interesses do agronegócio em detrimento da reforma agrária, da titulação dos territórios quilombolas e da demarcação dos territórios indígenas, além da omissão e até da promoção de assassinatos de indígenas e camponeses e das ocupações militares em diversos territórios negros em todo país, como no complexo da Maré e no do Alemão ou no Quilombo Rio os Macacos. Nunca é demais lembrar que fora no período entre 2002 e 2012 que vivemos a explosão dos índices de homicídios, parte deles promovidos pelo Estado, e que tiveram e tem como alvo preferencial a população negra, numa proporção de três mortes negras para cada morte branca.
Ademais, o PT reproduz a lógica nefasta do financiamento privado das campanhas o que o joga da vala comum da promiscuidade com grandes empresas e empreiteiras; mantém sim, compromissos no campo da economia com os interesses do mercado e do capital financeiro, mantendo inclusive o absurdo índice de mais de 40% do orçamento anual dirigido para o pagamento de dívidas públicas, o que só fortalece ainda mais nossos verdadeiros inimigos. E para além disso tudo, jamais tocou os interesses dos grandes grupos de comunicação mesmo sabendo que são eles os principais amplificadores das vozes, dos pensamentos e dos valores mais conservadores, reacionários, fascistas e racistas de nossa sociedade e que fazem do próprio PT seu principal alvo. Um contra-senso!
Mas porque ainda optar por Dilma e pelo PT? Por que não o voto nulo ou o silêncio, posições aparentemente coerentes diante do quadro exposto?
Antes ainda, quero registrar meu respeito ao voto nulo. Trata-se de um voto, quase sempre, qualificado e crítico. Mas não concordo com ele nessa conjuntura.
Ocorre que estamos e um segundo turno. Dilma com PT ou Aécio com PSDB, governarão o país nos próximos anos. Não acredito que tenhamos – nós do campo mais à esquerda – força social suficiente para inviabilizar essa eleição. E mesmo que o número de votos nulos, somados aos brancos e às abstenções alcançassem índices ainda mais expressivos que os do primeiro turno, não acredito que surgiria daí uma alternativa de esquerda com um projeto maduro e com apoio popular, capaz de substituir o que temos. Cabe a nós assumir nossas fragilidades e reconhecer a baixa adesão popular às ideias progressistas. Junho de 2013 ainda é fresco em nossas memórias. E o congresso mais conservador desde a última ditadura também é. Tanto as mobilizações de Junho quanto as eleições de agora demonstraram seu caráter conservador. Nesse contexto – infelizmente – o voto nulo, branco ou a abstenção contribui com a vitória de Aécio.
Em São Paulo, Alckmin, Serra, PSDB e os demais partidos aliados deram uma surra nas esquerdas tendo como carro chefe de suas propostas a defesa da redução da idade penal. Aécio derrotou a insípida, inodora e incolor Marina Silva, com o mesmo discurso. Não tenho dúvidas de que a vida das pessoas mais humildes em todo país pode ficar ainda pior com um governo do PSDB. Não tenho dúvidas de que as cadeias ficarão ainda mais cheias de negros e pobres; não tenho dúvidas de que a política de repressão e suas polícias ficarão ainda mais violentas e letais. Não tenho dúvidas de que teremos mais dificuldades no enfrentamento ao racismo, na luta por reparação histórica para negros/as e indígenas ou por garantia de políticas públicas de igualdade racial, social, da diversidade religiosa e sexual ou no combate ao machismo e seus males, bem como se vê em São Paulo com tantos anos de governos do PSDB. A decisão nesse segundo turno não tem a ver com complexas elaborações teóricas de debate entre esquerda e direita ou do balançar de ombros, como quem diz: “tanto faz um como o outro”. Ao contrário, isso tem a ver com a vida real que pode sim, ser muito mais dolorosa do que já é.
As forças que se reúnem em torno de Aécio dão o tom do que teremos pela frente em caso de uma vitória tucana: Além dos setores ligados a extrema direita e aos grupos que historicamente dominam nosso país – e que pode sim ser chamado de velha direita – os setores da grande mídia, com destaque para Globo, Veja e Folha, além de líderes religiosos fundamentalistas e reacionários, declaradamente homofóbicos e racistas, são um alerta a todos que buscam construir um país mais justo.
Por outro lado, negar que os setores mais empobrecidos da população tenham vivido dias melhores em sua sala de estar ou em sua mesa de refeição; negar que a presença de pobres e negros em universidades ou ainda negar a ampliação das oportunidades reais e alocação social, ainda que não no modelo que defendemos no campo das esquerdas, mas que sim, deflagraram outro momento na vida social brasileira e que tal feito seria impossível em um governo do PSDB aliado à direita clássica, seria no mínimo desonestidade. É pouco. É insuficiente. É tutelado. Mas é verdade. E tem importância para a vida real de quem mais precisa. São sopros de brisa em meio ao calor do deserto, sem os quais tudo fica ainda mais difícil.
Tenho comigo a plena consciência de que a vitória de Dilma e do PT não significará vitória das bandeiras históricas da esquerda brasileira, tampouco do movimento negro. Mas tenho convicção de que uma vitória de Aécio, essa sim, significaria um inimigo ainda mais difícil de ser enfrentado. Por isso prefiro Dilma, para me opor como negro e como militante de esquerda e cobrar dela, de seu partido e de seu governo uma nova postura frente aos inimigos históricos da classe trabalhadora e do povo negro que, uma vez no poder, preferiu como aliados. E também porque quero, no futuro, olhar para trás e ter a certeza de ter feito tudo que podia para impedir o retorno do que há de mais fascista, racista, reacionário e conservador ao governo central de nosso país.
Sendo eu quem sou, vindo de onde venho, não me cabe o silêncio ou um protesto no vazio. Por isso, neste segundo turno, voto e apoio Dilma 13.