JANIO DE FREITAS/Folha de São Paulo
A adesão de Marina Silva a Aécio Neves é o seu caminho convencional, mas, para formular os argumentos vazios que invocou, não precisava de tantos dias, bastavam minutos. Além disso, Marina já tem convivência bastante com a política para saber que nenhuma condição exigida de Aécio tem valor algum: se eleito e por ela cobrado, não esqueceria o velho refrão político "as circunstâncias mudaram". Ao espichar as atenções por mais uns dias, no entanto, Marina instalou a implosão em dois partidos. Um feito, sem dúvida.
A demora de Marina proporcionou tempo para que uma ala do Partido Socialista Brasileiro, com o estandarte da viúva de Eduardo Campos, articulasse o abandono da linha tradicional do partido, de centro-esquerda, e a necessária derrubada dos dirigentes mais identificados com o PSB. Novo rumo: adesão a Aécio.
Em termos partidários, é como se o PSB fosse extinto, com uma descaracterização que preserva apenas o nome e a sigla. Não de todo, aliás, com o humor já se referindo ao "novo PV": não de Partido Verde, mas Partido da Viúva.
O manifesto "A favor da nova política" tem argumentos consideráveis e reúne, em corrente própria, os que se integraram à Rede Sustentabilidade, partido de Marina, para construir novos modos de fazer política. E consideram a adesão a Aécio, decidida por Marina, "grave erro" e contrária ao "projeto original da Rede Sustentabilidade", ao torná-la "parte da polarização PT x PSDB". A adesão agrava-se porque Aécio, diz o manifesto, tem "integração orgânica à desconstituição de direitos, aos ruralistas e ao capital financeiro", três frentes a que a Rede se opõe por princípio.
Para contornar a reação de correligionários valiosos, Marina Silva precisará de argumentos melhores do que lhe bastaram para aderir ao candidato do PSDB, em vez de "rejeitar as duas candidaturas". Rede se remenda. O PSB, não.
VITÓRIAS
As condições extraordinárias da Bolívia, que o êxito eleitoral de Evo Morales faz o mundo notar, devem muito a ter existido o governo Lula.
A reação conservadora à primeira vitória de Morales foi feroz. O secular golpismo boliviano ativou-se logo, impulsionado pelo agronegócio do Departamento de Santa Cruz, com apoio, inclusive, de brasileiros que exploram muitas terras naquela Estado fronteiriço. Em pouco tempo, o golpismo progrediu para separatismo, disposto a recorrer mesmo à guerra civil. Os golpistas contavam com apoio daqueles conhecidos patrocinadores de golpes na América Latina. Foi a intervenção contrária de Lula, com intensa e sigilosa atividade do governo brasileiro, que conteve ou facilitou a contenção da incandescência que se iniciava, inclusive com mortes.
Até a região de Santa Cruz deu a vitória a Morales.
A política externa brasileira está sob ataque dos ex-embaixadores adeptos da proximidade com as políticas dos Estados Unidos, por eles praticada até 2003. Muitas das posteriores iniciativas por eles desaprovadas, porém, levaram a avanços não só para o Brasil. Todas sem o apoio, também, dos meios de comunicação brasileiros. Pena que tudo isso ainda esteja por ser contado.
Do lado boliviano, o governo Lula encontrou um interlocutor difícil, mas brilhante: o vice-presidente Álvaro García Linera, que é a cabeça política do projeto liderado por Evo Morales e o estrategista do governo. Uma opinião brasileira sobre ele: "É difícil porque ora ele raciocina como político, às vezes tem a cabeça de físico, e sempre é o intelectual".