Címbalos, Natal, Artaud

Emerson Araújo 

Por Fonseca Neto/PiauíHoje.com


Neste tempo de Natal os signos e as palavras parecem sair e fluir em asas proféticas, esperançosas... Efêmeras, diluosas, parecem não sobreviver ao primeiro ar de sua imersão na matéria oxigenária.

E o tempo segue, alado que seja, preso em certa rigidez do imutável; mutante, porém, mundo atrás de mundo encaminhando a experiência, o acontecer irrepetível.

Diante de mim, agora, páginas poéticas do amigo estimado, Emerson Araújo, com quem divido, há quarenta anos, a dupla conterraneidade de maranho-piauiense. Emerson é poeta, professor na área de Português e Literatura, graduado na amada Universidade Federal do Piauí. Hoje vive, trabalha, arteia sua poemação, em Tuntum, no Maranhão central.

Por que Emerson neste instante? Para bolinar com sua poética, sua arte de ler essa espécie de palavreado em fluxos que foge na viragem do tempo como a essência perfumática sai do frasco que se destampa ao descuido de “gueixas” apressadas em dar o pescoço ao beijar sem frugalidade...

Vamos lá, Emerson, em seu Bônus de Natal. É tempo!

“Morte à reminiscência fugaz / Tão comum neste tempo de natal / E papai noel precisa de uma companheira de baby doll / E as cabras de outros apriscos ruminam, ruminam / E os cavaleiros partem no beijo de nuvens / Na doideira elétrica de Artaud”.

Quê?

Doideira de Artaud? Elétrica?

“Ah, tempo de escuridão e seus dezesseis movimentos / De frase dura, pedra desfeita na ação do esmeril / De eros farto em pele de avelã e aviamento / Farinha e café sobre a mesa de cristal e taça / Só a minha vertigem a traduzir-se / Numa parte que é transbordamento / Outra exclusão”.

“A primeira pessoa predomina nas folhas que rumorejam / E não quero saber da linguagem improdutiva / Nem no poema que se resolve a luz do olhar / Ou no sopro dos dedos que foi chacal e lobo voraz / O meu poema é minha fala e minha audição / O meu poema, antes, é nada, nada / E os cavaleiros partem no beijo de nuvens / Na doideira elétrica de Artaud”.

No beijo de nuvens?

Assim prefiro construir a sétima margem do rio flores / Sem ter horário fixo e londrino / O meu horário é o meu sertão / Sem neve cor de chumbo / A minha neve é a minha nódoa / E os cavaleiros partem no beijo de nuvens / Na doideira elétrica de Artaud”.

O poeta nessa aforística ruma em direção e já sob o reino da metáfora, que deglute a seco e regorgita, ardente, significada. Mas sua fala feita sua própria audição de si supera a fugacidade das reminiscências nataleiras.

Mas por que, fugazes, as nuvens haveriam de ser beijadas pelos cavaleiros? Responder a isso é sentir a poesia de Emerson a tirar fino na volúpia do anjo torturado Antonin Artaud – aliás, em sua lírica poetal militante, o nosso tuntunense encara o anjo torto piauilino... É sentir o Emerson construindo a sétima margem e contemplando a pedra a torrar sob a calidez sertã. Pedra que o esmeril do tempo não tornará pó para os tragos em natais travessos. “Nada”? Sua palavra é tudo.

Livro editado pela Quimera, de Teresina, e titula-se Címbalos, Lutas e Olhares. Sem propósito de brincar com jogo de palavras – já vimos que elas podem volver vingadoras –, nessa nova publicação o professor Emerson do Tuntum incorre em diversa cimbalada, flana sobre constelações de símbolos, cria o rio das flores para deflorar, doce bônus, as natálias além de míticas.

Eros farto? O poeta atravessa o corpo livro-poemado, e, extático, deixa-se atravessar, pela erótica força que previne as nervuras da alma de que a Eva iminente se faz a primeira maravilha de todo e insuspeito mundo. Mais que “alegorias de maçãs” a comer, “entre cálices de licor, nos labirintos de aurora”.

Sim, nosso poeta é um lutador necessário em meio às negatárias dos bolsinfames. Assim é um romântico, revolucionário, chacal ameno na trilha da loba, entre a utopia em cio e a ucronia insólita. Sediça.

O livro inclui ensaio crítico de alto valor sobre a obra, feito pela doutora Assunção Sousa, professora de Literatura, na Uespi. Amiga do poeta. E minha. 

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.