Assista aos melhores trechos da entrevista de Assange ao Nocaute


Fernando: O WikiLeaks divulga um milhão de documentos por ano. Você certamente não se lembra de tudo, mas dos documentos do WikiLeaks o que é sabido a respeito da relação do então vice-presidente Temer com os serviços de inteligência estrangeiros, particularmente norte americanos?
Assange: Nós publicamos várias mensagens sobre isso. Uma em particular é de janeiro de 2006, em que ele vai à embaixada americana. A mensagem é somente a respeito das informações fornecidas por Michel Temer, suas visões políticas e as estratégias do seu partido.
Isso mostra um grau um pouco preocupante de conforto dele com a embaixada americana. O que ele terá como retorno? Ele está claramente dando informações internas à embaixada dos EUA por alguma razão. Provavelmente para pedir algum favor aos Estados Unidos, talvez para receber informações deles em retorno.
Ele foi à embaixada americana várias vezes pra falar. A mensagem que publicamos em janeiro é só sobre essas comunicações. Frequentemente a embaixada retorna contato a respeito de alguma questão e consultam diversos informantes de partidos diferentes e juntam essa informação.
Temer enviou informações várias vezes para a embaixada americana, mas outros também o fizeram. Gente do seu gabinete e também gente de dentro do PT. Então, pessoalmente, eu acho que dada a natureza da relação do Brasil com os Estados Unidos e considerando a intenção do departamento de Estado americano em maximizar os interesses da Chevron e ExxonMobil, estão provendo aos EUA inteligência política interna sobre o que se passa politicamente no Brasil.
Com essas informações o Departamento de Estado pode fazer manobras em defesa dos interesses das grandes companhias americanas de petróleo. O que não necessariamente está alinhado com os interesses do Brasil.
Dependendo de como funciona uma sociedade, pode-se permitir que qualquer pessoa vá a uma embaixada e passe informações internas. Mas a maioria das sociedades que sobrevivem tem regras contra isso. Regras que proíbem que informações políticas delicadas sejam dadas a outro estado.
Ada: E há também há a sensação de que ele está insatisfeito com a política anti-neoliberal do PT e deseja se alinhar com o PSDB.
Assange: É o que tem acontecido agora. Se você ler o que publicamos em 2006, verá que a situação política atual está sendo construída há muito tempo. É interessante ver como o posicionamento das partes, suas visões de mundo e quem são seus aliados, não mudou tanto, como pode se ver.

Fernando: Você deve saber que o Brasil descobriu enormes jazidas de petróleo do pré-sal no oceano e isso daria muito dinheiro ao Brasil mesmo o barril a 8 dólares Que interesse internacional existe nisso? Especialmente o envolvimento do Michel Temer?
Assange: Não tenho certeza. Precisamente a respeito de Michel Temer temos um material importante. Nós publicamos um número de documentos a respeito das jazidas do pré-sal na costa brasileira. Os depósitos são considerados cerca de quatro vezes maiores que as jazidas brasileiras existentes, algo extremamente significativo. É muito caro chegar lá no fundo do oceano e furar a camada de sal. Mas quando se chega, o petróleo não precisa de muito refinamento e se torna bastante lucrativo.
A respeito das condições existentes, a Petrobrás teria 30% de receita do petróleo do pré-sal.
Empresas interessadas nesse petróleo têm ido à embaixada americana para reclamar dessas condições. E alguns partidos políticos no Brasil estavam dizendo que prefeririam que a Chevron e a ExxonMobil tivessem acesso mesmo sem a exclusividade dos trinta por cento da Petrobras.
Esse é na verdade um tema muito interessante: qual é a melhor maneira para o Brasil de licenciar a exploração dos depósitos de petróleo? O que mais beneficiaria os brasileiros?
E o argumento básico é nesta linha: se um estado vai agir de maneira coerente, em competição com outros países e grandes companhias de petróleo, eles devem garantir uma receita, e o petróleo garante um fluxo forte de receita, que pode fortalecer o estado.
O outro lado da equação usa o argumento que, se uma empresa, mesmo se é propriedade do estado, tem acesso preferencial, ela ficaria ineficiente e não se sairia bem na extração petróleo, porque não haveria competição. Estes são os argumentos básicos.
Também se diz que se existe muita competição na extração de petróleo, o preço cai muito e o estado não arrecadará muito em termos de cobranças de licenças de extração.
Então se você olha as mensagens publicadas em dezembro de 2009, verá que já havia relatos disso, mas não era a parte mais interessante. Pra mim a parte mais importante é quando admitiram que o mais lucrativo para o governo seria que a Petrobras tivesse o direito aos 30%.
Então isso é uma admissão. Por que a embaixada alega que o negócio mais lucrativo pra o estado brasileiro ocorreria se a Petrobras tivesse esses 30%?
Porque a Chevron e outras grandes companhias americanas de petróleo diriam: se a Petrobras tem esses 30%, não compensa pra nós. Não vale a pena pra nós fazer a extração, nós poderíamos talvez nos envolver no financiamento.
Mas a russa Gazprom e outras companhias chinesas de petróleo, como a China Oil, poderiam ser capazes de cobrir lances nas licitações, obrigando a Chevron e a Exxon a investir mais dinheiro, porque chineses e russos conseguem operar com menos lucro.
Por que? Porque os chineses só querem o petróleo, eles não estão tão interessados no lucro. Eles podem chegar mais depressa e ficariam com as contas equilibradas. Além de aportar um volume maior de recursos ao Brasil.
Assim como outras empresas petrolíferas estatais e outros estados que têm petróleo, os chineses operam de forma a que sempre possam ganhar licitações em cima da Exxon, por exemplo, uma empresa muito grande, que tem uma receita anual de US$ 269 bilhões.
Então, no caso da Petrobras a questão que está posta é a seguinte: que tipo de estado o Brasil quer ser? Um estado forte. Ou um estado muito fraco, que tem grandes petrolíferas estrangeiras e multinacionais tomando conta dos seus recursos naturais?

Assange: Populismo genuíno pode sempre se mover contra a autoridade enquanto se tenha uma mídia que o expresse. Porque a autoridade é percebida pela sua habilidade de prender pessoas, cobrar impostos e liderar, sob esse aspecto. E quando uma crítica livre se desenvolve, do tipo mais duro, subjuga a percepção de autoridade. Aborda de maneira áspera, enfatiza a percepção de autoridade. Isso aconteceu no caso da Dilma.
Não era puramente orgânico, mas tinha um componente orgânico e esse componente orgânico foi enfatizado pelos cinco grandes grupos de mídia. E provavelmente por robôs. Na verdade achei evidencias de robôs, não tenho certeza a respeito de quem os controlava, foi descoberto no final, mas houve uma pressão de robôs de mídias sociais.
Estamos só no comecinho deste fenômeno onde muita gente tem agora a capacidade de publicar. Isso muda a dinâmica de poder, porque nas nossas sociedades, muito da dinâmica de poder é baseada na censura, prevenindo assim que a maioria da população se expresse. Ou ao menos que publique algo que atinja muita gente. Isso está começando a mudar.
Você sabe quando está lidando com um robô? Você sabe quando está lidando com uma pessoa real? É um sistema que tem alguns humanos e esses humanos controlam milhares de robôs que são com quem você interage, na verdade. É a invenção dos “falsos demos”.
Por que as revoluções acontecem em praças, muito frequentemente? Por que sempre acontecem em praças? É porque na praça você pode ver como o povo reage. Você olha em volta e pode ver as pessoas. Por que se precisa de uma praça para isso? Certamente se as pessoas não estivessem na praça e a mídia estivesse cobrindo e divulgando fielmente a vontade do povo, se teria a revolução de qualquer maneira. Mas os canais de comunicação não divulgam o que a população quer, então não se tem a mesma percepção .
É a percepção do que é a vontade da maioria que define se algo é politicamente possível. Portanto quando se tem uma revolução é normalmente numa praça, como a tomada do Palácio de Inverno, porque as pessoas podem ver que elas são muitas. Porque elas não veem que são tantas quando não estão na praça? Porque o sistema de mídia está suprimindo a realidade do que as pessoas pensam, eles não conseguem perceber os “falsos demos” .
Com a possibilidade de todos falarem na internet de uma maneira ou de outra, um antídoto pra isso é criar os tais “fake demos”. É muito simples: censurar pessoas está se tornando muito difícil. O senso de coletividade fica difícil de perceber. O poder político não se preocupa mais em censurar pessoas, o que se preocupa é a sensação de ser maioria, de que se tem a vontade popular por trás de você. Para obter esse efeito criam-se “falsos demos”. É isso que, desde mais ou menos 2011, vêm fazendo estados e partidos políticos. É um novo jeito de fabricar consensos. Estamos familiarizados com a situação antiga, com os oligarcas da mídia, mas quando se tem mídias sociais se tem uma nova maneira de criar consensos, que é a criação de uma aparência de vontade democrática.

Do Blog Nocaute/São Paulo