Por Fernando Brito/Tijolaço
No Iapi do Realengo, há 50 anos, minha mal letrada avó dizia que só havia uma coisa que eu poderia ter tanto ou mais do que qualquer pessoa muito rica, ali mesmo naquele bairro operário, e que só dependia de mim: a boa educação.
Não era a educação formal (que até tive em ótimas escolas públicas), eram as boas maneiras nas relações com as outras pessoas, cuidados resumidos em ditos simples e quase esquecidos: “seu direito termina onde começa o do outro”; “macaco olha o teu rabo, deixa o do vizinho” e o que com mais carinho carrego ainda: “ponha-se no lugar do outro”.
Aprendi ali o que parecem os ilustrados senhores ministros do Supremo esquecido: usar decorosamente as palavras. Esta semana, tivemos duas cenas grotescas, protagonizadas por Gilmar Mendes e pela futura presidente do STF. Carmem Lúcia.
Gilmar, claro, não surpreende com seus modos grosseiros. O hábito, porém, não anistia seus coices supostamente jurídicos.Disse que os autores da Lei da Ficha Limpa pareciam estar “bêbados” quando a escreveram. Dá, portanto, o direito a quem discordar de seus julgados, quem sabe, amanhã dizer que ele parecia “estar bêbado” quando os proferiu.
Mas Carmem Lúcia, ainda mais a ponto de tornar-se presidente (ou seria presidenta?) da Corte, inaugurou mal o papel. À pergunta de Ricardo Lewandowski sobre como gostaria de ser tratada, disse que “eu fui estudante e eu sou amante da Língua Portuguesa. Acho que o cargo é de presidente, né?”, num suposto gracejo com o que seria uma incorreção na forma “presidenta” escolhida por Dilma Rousseff.
Já bastaria o erro de fazer “graça” com alguém que está na situação de massacre em que se encontra Dilma, inadmissível para quem tem, mais do que ninguém, o dever do equilíbrio e do comedimento. Mas, querendo fazê-lo, derrapou no erro.
O simpático Professor Pasquale Cipro Neto, na Folha, hoje, dá duas aulas a Carmem Lúcia, ao explicar que a forma é usada há décadas e devidamente dicionarizada.
A primeira, de Português: ‘Data venia’, Excelência, o cargo é de presidente ou presidenta.(…)
A segunda, de boa educação: “Tenho profundo respeito pela ministra Cármen Lúcia, não só pela liturgia do cargo, mas também e sobretudo pela altivez com que o professa. Justamente por isso, ouso dizer que teria sido melhor ela ter dito simplesmente “Prefiro presidente”.
Ministra Carmem, há 15 anos, muito antes de Dilma Rousseff sonhar em ser presidenta, os “amantes da Língua Portuguesa” Aurélio Buarque de Holanda e Antonio Houaiss registravam que presidenta “é a mulher que preside”.
Como não tenho as luzes da ministra, fui ao “pai dos burros” conferir. E não fiquei órfão.
Acho irrelevante se é presidente ou presidenta, mas como sou homem e não presido coisa alguma, penso que o freguês – ou a freguesa – pode simplesmente preferir, sem arvorar-se a dizer asneiras, como aliás fez a ministra quando, na sua posse como presidente do TSE, saudou Dilma como presidente e como presidenta, sem que isso lhe tenha feito qualquer mal..
Prefiro cuidar aqui do latim, tão venerado pelos nossos jurisconsultos que se expressam como à soleira dos botequins.
Naquelas épocas distantes, quando alguém queria por limites em algo, não era raro falarem ” est modus in rebus”ou só “modus in rebus”.
É um pedaço das Sátiras de Horácio, que diz: est modus in rebus, sunt certi denique fines, quos ultra citraque nequit consistere rectum.
Quer dizer, Ministra, que todas as coisas têm limites e que para além e aquém deles não se pode manter a virtude. Um juiz ou juíza, mais ainda o presidente ou a presidente/a do Supremo, mais limites tem e o gracejo grosseiro certamente está além deles.
Horácio da também um bom conselho como o que lhe dá o Professor Pasquale: “aquele (…) que deseja apenas o necessário, não bebe a água turvada pela lama nem perde a vida nas ondas”.