Ex-ministro de Lula avalia segundo mandato de Dilma e a indicação de
Juca Ferreira para o MinC, mas evita avaliar Marta Suplicy e Ana de
Hollanda: "Elas precisavam de espaço"
Às vésperas dos 50 anos da Tropicália, Gil fará turnê na Europa ao lado de Caetano Veloso |
por Claudio Leal/CartaCapital
Da varanda de seu apartamento, com vista para a Baía de Todos os Santos, Gilberto Gil faz a primeira análise de fôlego do início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff e do retorno de Juca Ferreira ao Ministério da Cultura, comandado por ele de 2003 a 2008, nos dois mandatos de Lula, em entrevista exclusiva a CartaCapital.
“A presidente optou por deixar um pouco de lado a tentativa de criar uma maneira própria, brasileira, de contemplar essa questão de distribuição de renda, fazendo o Estado mais investidor no social, mesmo com certo desequilíbrio, mesmo com problema de inflação, mesmo com problema de desajuste fiscal. Ela optou por se ajustar. Vamos ver no que vai dar isso”, afirmou.
De olho na celebração dos 50 anos da Tropicália, o músico de 72 anos está prestes para fazer uma turnê pelos Estados Unidos de seu último disco, Gilbertos Samba, e de uma série de apresentações na Europa ao lado de Caetano Veloso. Além do desejo de repetir a experiência no Brasil, Gil que também formatar um disco com os filhos e netos que já enveredaram pelo caminho da música.
Leia a seguir os principais pontos da entrevista.
Carta Capital: Como o senhor avalia o início do segundo mandato da presidente Dilma?
Gilberto Gil: Acho que o primeiro governo dela foi muito criticado pela insistência numa recuperação da economia a partir do mercado interno estimulado por produção de bens supérfluos. O que estava associado um pouco à nova capacitação econômica de uma nova classe média recém-surgida, com um novo poder de compra. Uma gestão econômica, no sentido geral, fora dos padrões de um certo liberalismo novo, eu não diria nem “neo”, mas uma nova forma de liberalismo, difundida no mundo inteiro, com aquela coisa do fortalecimento do setor financeiro, do capitalismo. As novas grandes crises na Europa e nos Estados Unidos, a depressão dos PIBs (Produto Interno Bruto) dos vários países, ou seja, o fortalecimento de uma nova ortodoxia.
CC: Isso lhe preocupa?
GG: Estou falando do que eu vejo por aí. Não estou dando minha opinião, estou fazendo uma análise do quadro que, de uma certa forma, força um pouco o posicionamento atual da presidente. A campanha foi pautada por tudo isso. Ela, tendo que defender posicionamentos anteriores do setor político dela, do PT e das alianças, daquilo que foi o governo Lula, a questão das privatizações. As oposições básicas que foram estabelecidas entre a social-democracia do PSDB e o trabalhismo novo do PT. E agora ela é acusada de ter contrariado o marketing de campanha. De todo modo, ela está arriscando fazer isso. Porque, segundo ela, é mais importante ouvir a voz dessa racionalidade internacional que está aí, para evitar que o País fuja muito do sistema mundial, fique muito à deriva, muito desprotegido desses colchões internacionais: o Fundo Monetário Internacional, a imprensa econômica mundial, The Economist, os jornais americanos...
CC: Setores que têm suas represálias...
GG: Que têm seus comandos, mandam um pouco, não só informam mas instruem a economia mundial, dizem aos governos como devem fazer. A presidente optou por isso, por se ajustar a esse sistema mundial, deixar um pouco de lado a tentativa de criar uma maneira própria, brasileira, de contemplar essa questão de distribuição de renda, fazendo o Estado mais investidor no social, mesmo com certo desequilíbrio, mesmo com problema de inflação, mesmo com problema de desajuste fiscal. Ela optou por se ajustar. Vamos ver no que vai dar isso.
CC: E a volta de Juca Ferreira ao Ministério da Cultura, o que achou?
GG: Não tenho elementos para especular sobre o sentimento interno da presidente e do seu entorno em relação a isso. Acredito que ela tenha chamado o Juca para colaborar com a campanha e coordenar o programa [de cultura do governo], arregimentando forças culturais que pudessem falar em nome de uma visão que ela tenha ou gostaria de ter. Acho tudo isso um indicativo de que ela queria tudo o que o Juca pode significar, com a carga que ele traz desde os tempos do nosso ministério, do próprio ministério dele, na própria experiência dele na secretaria de Cultura de São Paulo, trabalhando com um prefeito do setor político dela [Fernando Haddad], da área política dela, do PT. Os Pontos de Cultura e a Cultura Viva foram programas relativamente bem sucedidos acolhidos pelo conjunto da sociedade brasileira. Nas gestões anteriores das duas ministras, a Ana de Hollanda e a Marta Suplicy, há queixas razoavelmente generalizadas no sentido de dizer que o Cultura Viva e os Pontos de Cultura não foram suficientemente atendidos como deveriam ter sido. Isso é uma queixa difusa que eu vejo por aí. Às vezes concentradas, às vezes difusas, mas elas existem por aí.