Razão e sensibilidade



Flavio Dino
Blog do Noblat/Globo

O título deste artigo evoca o filme do diretor Ang Lee, baseado no romance da inglesa Jane Austen que, em 1996, conquistou o Oscar. Infelizmente, o drama do Complexo Penitenciário de Pedrinhas levou o Oscar da barbárie brasileira, encenada num presídio que registrou 62 mortes desde o ano passado – ou 30% das mortes violentas ocorridas nas penitenciárias do País, em 2013.

Pedrinhas foi classificada como uma das dez piores cadeias pela CPI do Sistema Carcerário, conduzida pela Câmara em 2008. E desde então, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) fez reiteradas recomendações sobre o sistema prisional do Estado quanto à superlotação e às graves violações aos direitos humanos de presos e de seus parentes.

Nada foi feito e os acontecimentos do Maranhão sacudiram e horrorizaram o Brasil.

Mas não basta nos dizermos chocados. Neste momento, o plano da razão – invocado no título acima – está, sobretudo, no leque de ações para sanar o problema. Deu-se um passo com o recente plano conjunto estabelecido entre as esferas estadual e federal, sob a orientação do Ministério da Justiça.

Medidas como o reforço da segurança com mais homens da Força Nacional, a remoção de presos para penitenciárias federais e mutirão da defensoria pública para avaliar a situação dos encarcerados são bem-vindas nessa agenda. Porém, tais medidas são insuficientes, pois esse drama é a crônica de um problema há muito anunciado e para o qual faltou, por parte do governo estadual, sensibilidade à altura.

Há no DNA da insegurança no Maranhão algo conhecido das autoridades de outros estados: a presença do crime organizado. O problema não está apenas dentro dos presídios; começa nas ruas e precisa ser enfrentado de forma integrada.

A ocorrência de crimes graves no interior do sistema prisional conjuga-se a ataques organizados segundo o modus operandi característico e já observado em outros estados brasileiros: incêndios de ônibus, bloqueio de vias, campanhas de assassinatos de policiais, ataques contra delegacias e batalhões da PM.

O crime organizado é diferente do comum, praticado por indivíduos esparsamente articulados. Atividades ilícitas como tráfico de armas e drogas, roubos a bancos e de cargas, biopirataria, contrabando e tráfico de pessoas não se restringem aos limites estaduais e nem às fronteiras nacionais. Nos estados onde organizações criminosas têm décadas de atuação, há também extensas ramificações do crime no comércio legal, no setor de serviços, incluindo serviços financeiros, na burocracia estatal e na política.

As experiências internacionais demonstram quão importante é desarticular o poder de organizações criminosas nos seus estágios iniciais de expansão, antes que o custo financeiro e social das intervenções aumente exponencialmente.

Faltou e falta essa percepção aos gestores maranhenses, por isso as medidas anunciadas pelo governo são incompletas, pois não atingem os negócios e as atividades ilícitas que sustentam a engrenagem da violência dentro e fora dos presídios.

É fundamental buscar novas formas de organização, operação e articulação das forças de segurança, principalmente na integração entre os sistemas de inteligência e informação das polícias, do Ministério Público e do Judiciário, com vistas a permitir a gestão estratégica do problema.

Há medidas já testadas que são possíveis de implementação no Maranhão. Listo algumas, entre outras: 1. Constituir, de modo permanente, uma instância interinstitucional (Ministério Público, Polícia Civil, Polícia Militar etc), pois a segmentação das informações e iniciativas entre os organismos do Estado favorece a continuidade dos crimes; 2. Investir na expansão da polícia de proximidade e nos serviços do ‘Disque-Denúncia’; 3. Definir como prioridade realizar operações conjuntas para o combate ao tráfico de drogas (notadamente do crack); 4. Investir na criação de vagas em estabelecimentos prisionais humanizados, de pequeno porte; 5. Dotar a Polícia Científica de equipamentos e pessoal, para uma adequada e rápida coleta de provas; 6. Manter uma adequada relação entre o número de policiais e de habitantes; 7. Garantir o bom funcionamento da Defensoria Pública e dialogar com o Judiciário para assegurar a celeridade nos processos; 8. Atuar sob constante acompanhamento das entidades da sociedade civil, que devem ter os meios necessários para exercer o legítimo controle social.

Mais do que todas essas iniciativas racionais, é preciso ter autêntica solidariedade com as dores das pessoas e senti-las na alma. É aí que razão e sensibilidade devem ter um encontro imprescindível para um adequado e justo tratamento à agenda da segurança no Maranhão.


Flávio Dino foi juiz federal (1994-2006), deputado federal (2007-2011), é advogado e professor da Universidade Federal do Maranhão.